O povo é quem mais ordena
Tenho
estado muito atento a tudo o que se tem dito e escrito sobre a
manifestação popular do dia 2 de Março, contra a TROIKA, e ainda aos
comportamentos dos políticos e seus próximos frente ao seu
«enfrentamento» com a canção de Zeca
Afonso Grândola, Vila Morena. Nada que me tenha surpreendido, uma vez
que a maioria, repito, a maioria dos políticos da nossa praça e também a
sua corte de seguidores já fizeram várias, muitas revisões do 25 de
Abril. A situação é tão caricata, que hoje todo e qualquer bicho careto
se diz herdeiro do 25 de Abril. A direita, a esquerda, o centro, os
«jotas», os boys, os revisionistas, os «entreguistas», os traficantes de
todas as coisas e influências e sei lá que mais, todos se apresentam
como defensores do 25 de Abril, sobretudo dessa democracia que aí está e
que outra coisa não é mais que uma «bastardia» do 25 de Abril. O povo
tem de sair de novo à rua. Não nos serve uma democracia que ande de
braço dado com banqueiros corruptos e ladrões, não nos convém uma
democracia que, com políticos a soldo e de saldo, usurpe os direitos do
povo e destrua toda a sua esperança. Não nos convém uma democracia que
se propõe matar de fome, desprezar e abandonar os seus velhos e convida
os jovens a emigrar, para que as poupanças do seu trabalho, em terra
estranha, sustentem os que cá ficaram por já não poderem emigrar. Não
nos convém uma democracia onde a justiça e a iniquidade se confundem,
onde a prepotência substitui a lei, onde se penaliza quem trabalha, quem
é pobre, quem é jovem, quem é doente ou quem é velho. Não queremos uma
democracia guardada, protegida e sustentada por mercenários. Queremos
que as forças de segurança sejam constituídas por pessoas livres,
cidadãos exemplares que defendam o povo e os seus legítimos interesses.
As forças de segurança terão sempre de ter presente nas suas mentes que
são constituídas por filhos e filhas do povo, que quem lhes paga e
garante a sua existência e eficácia é o povo trabalhador e não os
banqueiros, a TROIKA ou aqueles que em nome da paz e da segurança
destroem países e governos, rapinam recursos e humilham, com os tacões
dos seus mercenários, quem se atreva a contrariá-los. Queremos forças de
segurança que no dia do seu juramento se comprometam apenas e tão
somente a servir com lealdade o seu povo.
Sou abertamente favorável
a todas as manifestações em que o povo expresse a sua vontade. Ninguém,
quer se trate de organizações ou pessoas, expressa hoje em Portugal a
vontade do povo. Nem os partidos políticos, qualquer deles, nem a
Igreja, nem um cidadão ou um grupo de cidadãos organizados se pode armar
em representante ou porta-voz do povo. Mas é bom que se comece a pensar
nisso. Sempre haverá cidadãos descomprometidos com o pântano em que se
transformou a vida política portuguesa, sempre haverá alguns cidadãos
cujo presente e passado os credibiliza para a urgente tarefa de tirar
este país da servidão. E não me venham os «democratas bunda suja» que
por aí se acotovelam dizer que o meu apelo à organização e acção do
povo, tendo à frente quem o ajude na tarefa de construir outro país, tem
cheiro de totalitarismo ou coisas que tais. Disso e de falsas
democracias como esta em que vivemos e que não passa de um pântano
fétido, disso entendo eu, que durante uma boa parte da minha vida estive
exilado, vivi na clandestinidade, fui combatente revolucionário,
sobrevivi à tortura e somente ao fim de dez anos de vários presídios fui
posto em liberdade. É esta memória de mais de sessenta anos que se
cravou em mim como uma cicatriz profunda, que me ensinou a «livre
pensar», estar atento ao que se passa no mundo e sempre presente em
todas as manifestações, apesar da minha cegueira quase total. Portugal
não precisa de mudanças mais ou menos coloridas como aquelas de que os
papagaios da Assembleia da República tanto palreiam. Não. Portugal
precisa urgentemente de resgatar as promessas de Abril que, mal
despontaram, logo começaram a ser roubadas pelos ladrões do costume. O
25 de Novembro foi o acto final de uma revolução que não houve e o
primeiro da tragédia em que hoje estamos mergulhados. Porquê? Porque o
Presidente da República e o primeiro-ministro saíram como exilados de
luxo para o Brasil, os ministros desapareceram do país sem que ninguém
os incomodasse e foram viver de rendimentos no estrangeiro, os membros
da PIDE foram soltos sem julgamento e mais tarde alguns deles foram
condecorados por serviços prestados à nação, os banqueiros, capitães de
indústria e latifundiários acoitaram-se em países vizinhos e no Brasil,
para depois regressarem e serem indemnizados por perdas que nem haviam
tido, no Ministério de Negócios Estrangeiros, que durante a ditadura
serviu como agente da propaganda fascista nas colónias de imigrantes
portugueses, não houve um único saneamento, os juízes e os tribunais
plenários, que agiram como juízes torcionários do poder fascista,
passaram directamente desses tribunais para os tribunais comuns em todos
os níveis. Ninguém foi responsabilizado ou condenado por qualquer crime
cometido contra o povo. Seria um rosário imenso enumerar tudo aquilo
que a Revolução de Abril não fez, vá-se lá saber porque razões, mas
serviu para organizar a contra-revolução.
Provavelmente a maioria
daqueles que organizam todas estas lutas que se vêem por todo o país e
que escolheram Grândola, Vila Morena como seu grito de guerra nem sequer
eram nascidos no 25 de Abril. Pouco importa. Eles ouviram o apelo da
história e do povo. E ainda bem, porque se eles não tivessem ouvido esse
apelo, Portugal e os portugueses possivelmente passariam à história das
coisas não acontecidas, que uma bruxa má chamada TROIKA teria feito
desaparecer num golpe de mágica.
Vamos lixar a TROIKA!!!
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