Carta Vária, porquê?



sexta-feira, 28 de junho de 2013



E agora?...


Hoje, Sexta-Feira, é o dia seguinte à Greve Geral. Todos estamos de acordo em que ela teve aspetos muito positivos, o maior dos quais quanto a mim foi o de ter unido as duas centrais sindicais – CGTP e UGT, numa mesma luta, ainda que com objetivos distintos. A CGTP continua empenhada, através de greves gerais ou parciais derrubar o governo. Este é o seu objetivo sempre confessado. É legítimo? Será suficiente? A UGT teve como principal objetivo obrigar o governo a negociar, a negociar seriamente, honradamente, honestamente, como o fariam ou fazem as pessoas de bem. Mas será que poderemos considerar este Governo e outros negociadores como “pessoas de bem”? Só a UGT no-lo pode confirmar. Pessoalmente acho, estou certo, sem pretensões de futurólogo ou profeta que nem a CGTP derrubará o governo - por mais greves que faça-, nem a UGT obrigará a uma negociação honesta, honrada.  Está bem claro, por toda a política definida por este Governo, que os problemas deste país serão resolvidos somente através das medidas de austeridade, o que em primeira e última análise significa desemprego, falências, emigração, suicídios, pobreza em crescimento, negação de direitos já adquiridos. Será através de todos estes processos políticos criminosos que este Governo, pau mandado de uma União Europeia, que nem é União nem é Europeia, mas que corresponde apenas aos interesses da Alemanha, que já foi Império, que já foi nazista e que sempre usou o seu poder para explorar e oprimir os seus vizinhos, pretende cumprir o seu programa. O objetivo final deste Governo nem é sequer o empobrecimento do país mas  tão somente o de reduzi-lo à indignidade. Um país pode ser pobre mas pode reagir a essa situação.Porém se perde a dignidade qualquer ato de resistência se torna inviável. Portugal é o exemplo  disso que acabo de dizer. O que a Inquisição e tudo o que se lhe seguiu até ao 25 de Abril fizeram do povo português não foi apenas empobrece-lo, foi roubar-lhe a dignidade e assim impedi-lo de reagir. O 25 de Abril foi uma espécie de despertar, um ato de rejeição à indignidade estabelecida. Infelizmente com o fim do PREC e o 25 de Novembro chegámos até onde estamos agora. Não creio, portanto, que apenas com greves gerais e conversas na concertação social possamos mudar esta situação de indignidade. Por isso saúdo a attitude do grupo de jovens que depois de ouvir o discurso e a ordem de dispersão do Secrtário GeraL da CGTP decidiu continuar o seu protesto ainda que nada de concreto tivesse planeado.A polícia procedeu como qualquer polícia de qualquer país  do mundo, reprimindo a Manifestação de forma violenta.  Da minha parte reafirmo que sempre estarei presente em todas as Manifestações do povo, apesar dos meus 85 anos. Mas quem sabe talvez um dia veja avançar na frente da multidão em direção ao Parlamento e a Belém as forcas tão urgentemente   necessárias. Já que há crime, que haja castigo.

segunda-feira, 24 de junho de 2013


 
 
Cada macaco no seu galho

Já, por mais de uma vez, ouvi comentadores quase identificar o que se passa na Turquia, em termos de manifestações populares, com o que se está a passar no Brasil - também com grandes manifestações nas ruas. Para mim o que há de comum no que acontece na Turquia e no Brasil é que o povo se manifesta publicamente, de forma ruidosa e massiva, por aquilo que são os seu direitos. Na Turquia, onde um governo reacionário e pró islâmico quer fazer regressar a sociedade turca a tempos e costumes que já pareciam esquecidos, o povo luta bravamente contra uma polícia cuja postura habitual é o uso da violência para manter o direito a viver numa sociedade laica, imposta e definida nos anos 20 do séc. XX por Mustafa Kemal, o Ataturk. O império Otomano vinha de uma derrota fulgurosa, já que fora aliado da Alemanha na 1ª Guerra Mundial e desagregara-se em 1000 pedaços dando origem a uma série de novos países e emirados independentes. Do que fora o império Otomano restava apenas a Turquia, ou seja, pouco mais de 20% do que fora a totalidade do território do império Otomano. Foi em cima dessa ruína que Mustafa Kemal construiu a Turquia moderna, ocidentalizando-a, e abrindo-a ao progresso social e cultural. Embalado pela onda de integrismo islâmico, o actual governo da Turquia iniciou de forma subtil, mas sistemática - consumando-se “o regresso” das Burkas. É contra esse regresso e pela manutenção da Turquia laica, aberta ao progresso e à novidade que se luta hoje nas ruas e nas praças de Istambul. É uma luta civilizacional. Os sectores mais esclarecidos e dinâmicos da sociedade turca, sobretudo a sua juventude, estão atentos aos resultados da Primavera Árabe que, apesar das promessas de liberdade se transformou rapidamente num movimento opressor, retrogrado e fundamentalista. Sendo assim não se entende de que modo os comentadores políticos associam e encontram semelhanças entre o que se está a passar na Turquia e aquilo que ocorre no Brasil. A opressão a que está submetido o povo brasileiro é de outra natureza, é mais básica. No Brasil a senzala sai à rua exigindo saúde, escola, transportes, moradia, cultura, direitos políticos, justiça, o direito a ser tratado como branco, uma vez que os pobres, os trabalhadores, os favelados, os moradores de subúrbio, os camponeses - independentemente do matiz da pele – são todos pretos. Enquanto no Brasil se mantiver a ideologia da Casa Grande-Senzala todas as análises políticas carecerão de sentido. Todos os males do Brasil, desde a corrupção generalizada até à arbitrariedade programada das polícias. Todos esses males decorrem do único facto de que o fosso entre a Casa Grande e a Senzala, ricos e pobres, cada vez se alarga e aprofunda mais. A sociedade brasileira é estruturalmente injusta, resiste a qualquer mudança que favoreça verdadeiramente os pobres ou que os inclua no sistema de poder. Assim, não consigo prever como a Presidenta Dilma se vai desenvencilhar dos problemas que a atormentam. Para mais o Brasil é uma república federativa onde todas as decisões, mesmo as que veem do poder central, dependem na sua aplicação dos governos estaduais. É sabido que alguns desses governadores não só não são afectos ao governo da Presidenta Dilma como até se opõem às suas decisões e até já estão em campanha para disputar-lhe o cargo na próxima eleição presidencial. Para fazer valer as suas decisões, a Presidenta Dilma teria que intervir nesses Estados, mas, para isso, necessitaria de autorização do congresso e da anuência das forças armadas, pois são elas a única força federal. Assim, aquelas três promessas de, educação para todos, saúde universal e transportes colectivos decentes e eficazes podem ficar no papel ou então, as verbas a ele destinados, irem parar aos bolsos do costume - os dos políticos. Quanto a mim essa situação só poderá mudar se todas as forças que estão interessadas na mudança se unirem à volta de um programa comum e jogarem de uma vez só no caixote do lixo da história a Casa Grande e a Senzala, criando o Brasil Novo – a Terra Sem Males.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

A praça é do povo

                                                 Praça Tiradentes(Ouro Preto)


Finalmente, e com grande surpresa minha, a imprensa portuguesa começou a preocupar-se com o Brasil por causa das manifestações que há uma semana vêm ocorrendo naquele país. Todos os dias chegam informações do correspondente da RTP no Brasil, cuja competência e conhecimento sobre o Brasil e América Latina não quero aqui discutir. Mas também os comentadores indígenas têm dado as suas opiniões sobre o que está a acontecer no país irmão no outro lado do atlântico. Agora já não são as novelas brasileiras, nem o futebol, nem a corrupção dos políticos, os pratos fortes dos seus comentários. Devo porém dizer que tanto os comentários do comentarista da RTP como os dos comentaristas indígenas revelam apenas, e tão-somente, um desconhecimento total da sociedade brasileira, do processo da sua formação e do seu começo. Talvez exigir esse conhecimento seja demasiado, mas para que os comentários tenham alguma credibilidade ele é absolutamente necessário. O Brasil-colónia criado em meados do séc. XVI foi construído em cima de um binómio que com algumas diferenças se mantém. É o binómio Casa grande - Senzala. A Casa Grande era o símbolo e também a forma de exercer o poder político, económico e cultural, em que se baseava a exploração colonial. A Senzala, por sua vez, era o local onde se concentrava a força de trabalho, primeiro a dos índios cativos, que por incrível que pareça eram os donos expropriados da terra e mais tarde os escravos negros arrancados a África. A comunicação entre a Casa Grande e a Senzala fazia-se sobretudo através da mestiçagem e mais tarde por meio de feitores brancos pobres emigrados ou desterrados par a colónia. Esta organização social, Casa Grande- Senzala, mantem-se com algumas diferenças até hoje. A Casa Grande continuou ocupada pelos descendentes dos primeiros colonos e também pelos novos tipos de colonização “banqueiros, traficantes de escravos, novos donatários, capitalistas de várias matizes, representantes do capitalismo inglês e depois norte-americano, grupos financeiros autóctones ligados a vários interesses estrangeiros …”. Na Senzala cabe todo o resto do Brasil, desde os operários fabris organizados ou avulsos aos camponeses com pouca terra ou sem terra, aos remanescentes das nações indígenas, todos os pretos e pobres do país, os desempregados, os sem trabalho, os sem qualificação profissional, a maior parte, a quase totalidade da “nova classe média” criada pela Bolsa Família e todos os sectores da classe média proletarizados. Temos assim, de um lado, os possuidores - aqueles que detêm a quase totalidade da riqueza produzida no Brasil que são um número reduzido e, do outro, a totalidade do povo brasileiro, daquele povo que hoje se manifesta nas ruas, não apenas por causa do aumento do preço dos transportes, mas sobretudo, porque não tem escola, não tem saúde, não tem trabalho, não tem transportes, mora mal, está ausente do que vulgarmente se considera cultura, nem se quer lhe resta o futebol, não só porque é caro mas também porque todos os seu ídolos foram traficados para os clubes europeus. Convém lembrar a todos aqueles que querem aventurar-se em comentários sobre a situação no Brasil que este país é aquele onde o fosso entre ricos e pobres é maior em qualquer lugar do mundo. Assim toda a riqueza se concentra na mão de uns poucos, todos eles ligados ao capital financeiro internacional ou interesses da mesma natureza e que são donos dos bancos, de toda a indústria, e de quase toda a terra disponível, que podem perpetuar sem nenhuma responsabilidade cívica ou jurídica a escravatura e condenar à fome a parte do povo que lhes aprouver. É bom lembrar que no Brasil a absoluta maioria da terra é destinada à criação de gado para exportação, de cana-de-açúcar para produzir combustíveis, de soja que os brasileiros não consomem e por isso tem outros destinos e finalidades, de fibras vegetais e de produtos de sobremesa como o chá, café e cacau. No Brasil um boi tem direito a dois hectares de terra mas há 30 milhões de famílias camponesas que não têm nem um pedaço onde possam cair mortas. Quando nós aqui não temos qualquer confiança nos políticos, pois a política partidária já caiu em descrédito, é preciso ir ao Brasil para saber o que isso significa verdadeiramente. No Brasil todos os partidos sem qualquer distinção não passam de valhacoutos onde se abrigam toda a espécie de bandidos, marginais, traficantes e exploradores do povo. Podem medir-se todos pelo mesmo raseiro, pois, desde o PT ao PSDB, passando por todos os outros todos, lêem pela mesma cartilha. Todas as tentativas de devolver o poder ao povo foram boicotadas para reforçar o sistema partidário vigente, que não passa de uma partidocracia. Quanto à Justiça, que devia ser um dos pilares da sociedade, ela está ao mesmo nível dos partidos. É evidente que entre as centenas de juízes que existem no Brasil há alguns que pautam as suas decisões de acordo com a ética e a verdade mas, a maioria, tem um preço. É ilusório achar que o Brasil piorou só porque houve uma mudança de inquilino no palácio do Planalto. É evidente que Lula e Dilma não têm a mesma origem social, não leram pela mesma cartilha, não foram educados nos mesmos colégios, nem militaram nas mesmas organizações. Lula fazia parte do exército dos excluídos, menino pobre emigrou para São Paulo, frequentou a escola primária até ao terceiro ano e depois foi para a rua vender pirolitos, amendoim torrado e coisas semelhantes para ajudar a pobre economia familiar sustentada pela sua mãe. Quando teve idade legal para trabalhar, aos doze anos, entrou para o mundo do trabalho e foi daí que chegou à Presidência da República. Chegou com as memórias do menino pobre que teve que trabalhar para sobreviver, acrescentadas com a ideologia de um trabalhador e a muita experiência das lutas sindicais. Por isso, ainda que muitas vezes tenham tentado seduzi-lo com os encantos da burguesia ele teve o bom senso de resistir a isso e manter-se fiel ao povo de que era originário. Nem tudo foi perfeito, é verdade, mas no fundamental Lula manteve-se fiel à sua classe social. A Dilma, pelo contrário, veio da Casa Grande, de família abastada aluna de colégios particulares, só descobriu o outro lado do mundo a caminho da Universidade. Depois veio a ditadura e a sua opção pela luta revolucionária. O que não pode saber-se é até que ponto ela se despiu da sua ideologia para assimilar a ideologia do povo trabalhador. Ela é pessoa de grandes qualidades, de grande força de carácter, tem talvez uma visão mais ou menos correcta dos caminhos que o Brasil deve trilhar, mas esqueceu-se que essa caminhada só se pode fazer com o povo. Por isso, ela permitiu que os movimentos sociais fossem criminalizados, ela não ouviu as vozes que vinham do Brasil profundo e deixou que camponeses e líderes indígenas fossem assassinados, que as grandes empresas que constroem as grandes obras do momento mantenham os seus trabalhadores em acampamentos que parecem campos de concentração. Permitiu que a corrupção corroesse partes significativas e demasiado importantes dos pilares da nação.
Assiste-se actualmente no Brasil a uma onda avassaladora de igrejas evangélicas, todas elas   apostadas  em conduzir o povo à salvação, mas que em muitos casos, ou quase sempre, não passam de grandes grupos financeiros com pouco evangelho, ou de pequenas igrejas que mais servem ao pastor  que aos crentes. De qualquer modo é bem possível, já que a igreja católica sempre se omitiu dessa tarefa, que as igrejas evangélicas tenham levado os crentes a ler a Bíblia. Assim talvez milhões de brasileiros tenham constatado no livro do Génesis que “ no princípio era o caos” e que Deus criou o mundo a partir do nada. Por outro lado, seria bom saber se todos os “istas” do Brasil estarão de acordo com MAO quando ele afirma que “a sociedade nova só pode ser criada a partir do caos”. Se “istas” e evangélicos estiverem de acordo pode até ser que se faça “luz”. Pessoalmente prefiro as antiquíssimas lendas dos povos indígenas que se referem à criação de um novo mundo a partir deste como a “Terra Sem Males”. Para isso não precisamos de nenhum Deus, evitando-se assim um conflito entre os “istas” e os evangélicos. A construção da “Terra Sem Males” será uma criação do Homem, de todos os Homens, de todo o Povo.