Carta Vária, porquê?



quinta-feira, 30 de junho de 2011

Direito à Memória

Os sobrinhos do director da PIDE, major Silva Pais, entraram na justiça com uma acção contra os Directores do TNDMII e a autora da adaptação para teatro da  biografia da filha do major que se tornou militante da Revolução Cubana. São acusados de difamarem e atentarem contra o "bom" nome do acima citado Director-geral da PIDE.
Isto que, para alguns pode parecer apenas ridículo, não o é. É trágico, sobretudo demonstrativo daquilo que o 25 de Abril devia ter feito e não fez. Os capitães de Abril eram jovens, generosos, idealistas. E foi isso que os fez grandes e os perdeu. Derrubaram o regime fascista, libertaram Portugal de uma ditadura cruel mas deixaram impunes todos aqueles que, ao longo dos anos, cometeram ou foram coniventes com crimes hediondos e contra a humanidade. Não houve punição, não se fez justiça. Assim, em pouco tempo, os cravos, que eram todos vermelhos, foram dando lugar aos brancos e depois até desapareceram. E é assim, que de branqueamento em branqueamento se chegou ao apagamento da memória e Salazar escolhido como o vulto mais importante da História de Portugal.
Para que a memória desses tempos de chumbo não se apague e assim se impeça o seu regresso, povos de muitos países do mundo criaram Comissões de Direito à Memória e à Verdade que se empenham na reposição da verdade histórica, obrigam a justiça a agir e os governos a indemnizar as vítimas. É assim na Argentina, no Chile, no Brasil, foi assim na África do Sul e está agora a acontecer no Cambodja, onde os quatro últimos dirigentes do Kmer Vermelho (o mais novo tem 67 anos) estão sendo julgados pelos crimes cometidos durante a ditadura de Pol Pot.
Em Portugal, ao contrário, a palavra de ordem foi esquecer, esquecer, apagar a memória, mesmo física. Assim esquecemos (e até há quem os louve) trezentos anos de inquisição, mais quatro séculos de comércio negreiro, e os quarenta e oito anos de chumbo da ditadura fascista. Esquecemos, não nos queremos lembrar e o Estado ameaça com sanções (este processo judicial é um exemplo) a quem, de uma forma ou outra, se organiza para que a memória não seja apagada.
Foram as omissões de Abril e o nosso silêncio que encorajaram o Senhor Aníbal Cavaco Silva, que hoje está presidente da República, a conceder a dois PIDES uma pensão por serviços prestados ao país, tendo-a negado antes ao Capitão de Abril , Salgueiro Maia.
O que se espera, é que depois deste julgamento indigno e vergonhoso, verdadeiro atentado contra a liberdade de expressão e de informação, se organize uma Comissão de Direito à Memória e à Verdade que activa, diuturna e persistentemente comece a por a nú os crimes da ditadura Salazarista. Uma Comissão que não se deixe intimidar pelo poder, pelos tribunais, nem enredar em malhas partidárias. Uma Comissão onde o povo português, que foi a maior vítima do fascismo, se reconheça por inteiro. Além disso, o povo, a justiça, os políticos e os próprios agentes e mandantes dos crimes têm de introjectar que os crimes contra a humanidade nem prescrevem, nem têm perdão. Nós, todos os que estamos nesta luta, não queremos vingança. Exigimos justiça, verdade e direito à memória.

sábado, 18 de junho de 2011

Ao cuidado do Ministro da Saúde indigitado


Há dias a imprensa divulgou as declarações do Dr. Álvaro Beleza, director do Instituto do Sangue, em que ele afirmava que metade do sangue recolhido em Portugal e depois transformado em plasma era queimado, porque o I.S. não tem capacidade para o tratar. Declarou ainda o Dr. Álvaro Beleza que há dez anos tramita um projecto no Ministério da Saúde para poder dotar o I.S. dos equipamentos necessários  ao posterior tratamento do plasma, mas que se encontra ainda na estaca zero. Disse também que Portugal importou, no último ano, setenta milhões de euros de derivados do plasma, que poderiam ser fabricados em Portugal, caso se dispusesse do referido equipamento. A pergunta que se impõe é, se , como é costume , nestes casos, em Portugal, a culpa, mais uma vez, terá de morrer solteira.
A Imprensa, como é seu hábito, deixou cair a denúncia, não mais voltou ao assunto. Importante agora para Comunicação Social é comentar os perfis dos novos Ministros do novo Governo e que "craques"vão chegar para reforçar os clubes de todas as Ligas. Também se especula se Fernando Nobre será ou não eleito presidente da Assembleia da República .E pouco mais.
Da denúncia do Dr. Álvaro Beleza ninguém mais falou. Porquê? Vá-se lá saber!...É que essa denuncia tem atrás de si Primeiros-Ministros,  Ministros da Saúde, Secretários de Estado, funcionários e sobretudo interesses sempre criminosos das cooperações multinacionais da área da saúde. Por detrás desta inércia voluntária há subornos de vária ordem, pressões e capitulações indignas.
Mas a denúncia atinge ainda um grau de gravidade maior porque ao afirmar-se a existência desse crime, continuam a fazer-se campanhas para novas doações, sabendo-se que a metade da generosidade de quem gratuitamente doa o seu sangue vai ser jogada no lixo.
Isto não é uma história de Kafka, é um crime real, que se repete ano após ano, sob a cegueira, surdez e inabilidade da justiça, com conhecimento e consentimento da classe(?) política e em obediência aos supremos e intocáveis interesses das multinacionais que controlam a indústria da saúde.
Se para os crimes hediondos e contra a humanidade existe um Tribunal para julgá-los e condenar alguns dos seus autores (os norte-americanos, mesmo criminosos, não estão sob a alçada deste tribunal), por que razão não existe igualmente um Tribunal para julgar e condenar acções, intenções e omissões de multinacionais e governos prejudiciais aos povos de todo o mundo.
Pessoalmente acredito que um outro mundo é possível. Luto por ele todos os dias. Confesso, porém, que já algumas vezes me passou pela cabeça que o caminho para chegar lá é o caos. Criar o caos, para, a partir dele, começar a construir esse outro mundo.

Post-Scriptum:
Durante a campanha eleitoral repetiu-se à saciedade que o novo Governo devia corrigir com celeridade tudo o que de errado há em Portugal. Aí está um tarefa urgente para o Dr. Paulo Macedo, Ministro da Saúde indigitado: apurar a denúncia do Dr. Álvaro Beleza.

sábado, 11 de junho de 2011

Sandeus e desmemoriados

Existe um ditado grego, que nos vem dos tempos homéricos e que reza o seguinte: “quando os deuses querem perder os homens, ensandecem-nos ou fazem-lhes perder a memória.”
Não sei se os deuses existem ou não, mas estou absolutamente seguro de que há povos que perderam a memória e/ ou ficaram perfeitamente ensandecidos. As recentes eleições legislativas provaram, à saciedade, que o povo português ensandeceu e perdeu a memória. E que não haja disso a menor dúvida.
 Um senhor, que atende pelo nome de Aníbal Cavaco Silva e que, pela segunda vez, está Presidente da República, que também esteve Primeiro-ministro dez anos e ainda Ministro da Finanças, veio, na véspera ou antevéspera do pleito eleitoral, lembrar aos portugueses que o seu voto era absolutamente necessário para salvar o país da calamitosa situação em que se encontra. Para o tal senhor o “fim da História” estava à vista. Cinquenta e seis por cento dos portugueses acreditaram nas palavras do Demagogo. Votaram. Quarenta e quatro por centro não votaram ou anularam o voto ou votaram em branco.
O resultado eleitoral, pelo menos, demonstrou duas coisas: a primeira de que os políticos portugueses (os actuais e os anteriores), com raríssimas excepções, não se assumem como pessoas de bem, como pessoas honradas, fiéis a princípios éticos de valor universal. Assim, mentem, traficam influências, assaltam o erário público, locupletam-se, criam clientelas, corrompem a justiça, são cruéis com quem trabalha e servis ao capital. Jamais assumem ou aceitam a crítica, perdem a memória dos seus malfeitos e são capazes até de negar a evidência. E os portugueses que votaram não tinham conhecimento disso?
A segunda conclusão é de que esta democracia em que Portugal está atolado, já morreu mas esqueceu-se de cair. Isto a que em Portugal se apelidou de democracia, nada mais é do que uma mentira que convém ao grande capital e serve para oprimir os pobres e descriminar negativamente quem trabalha.
Que democracia é esta que revê a Constituição sempre que os interesses dos grupos económicos o exigem, que mata a reforma agrária e reorganiza o latifúndio, que desertifica o campo, que assiste impávida ao encerramento de milhares de pequenas e médias empresas. Que democracia é esta que vira costas ao mar em nome de interesses alheios, se prepara para atacar o SNS e a escola pública, gera milhares de desempregados, paga pensões de miséria a uns e milionárias a outros, que alarga o fosso social de forma intolerável e troca a competência pelo clientelismo e pelo cartão partidário.
E querem que continuemos a apostar nisto como se fosse democracia? O que é sandice então?
É urgente, urgentíssimo, inadiável procurar para Portugal - mas com o seu povo – o caminho que nos conduza a uma verdadeira democracia, à sabedoria e à felicidade.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

"Sodade de Cabo Verde"


Sempre achei que não conhecer Cabo Verde era uma falta imperdoável no meu currículo de andarilho. Por isso, aquando  da realização do Forum Social Mundial, em Dakar, em Janeiro deste ano, preenchi esta lacuna.
Terminado o Forum onde se encontraram as mais distintas gentes, vindas de todos os lugares  do mundo(portugueses seriamos talvez meia dúzia), embarcámos para a cidade da Praia, à descoberta de Cabo Verde.
Com guias de ocasião, motoristas de táxi, em geral, fomos percorrendo caminhos, visitando lugares e falando com as pessoas. Assim andámos por Santiago, S. Vicente, Santo Antão e Sal. Cada uma com a sua diversidade, com os seus problemas, com os seus projectos e uma crença insofismável no futuro. Quando partimos da Ilha do Sal, de regresso a Lisboa, já estávamos com saudade...o azul do mar, aquela brisa suave, o sol e, sobretudo, a alegria que o povo tem em receber, já nos levou  lá, de novo, desta vez à Boavista.
O que eu senti é que o 25 de Abril chegou a Cabo Verde e ficou por lá. Esta reflexão tive-a quando fui ao Tarrafal. Quando o Estado Novo construiu aquele campo de morte não sabia que destruindo os homens não se destroem os sonhos. Essa é a ilusão de todos os ditadores.
Quando em Abril de 74, no dia 25, no Largo  do Carmo, o capitão Salgueiro Maia obrigou a ditadura a render-se, todo o espaço dito "português" estremeceu. Infelizmente somente em Cabo Verde continuam a sentir-se as réplicas desse abalo cívico.