Carta Vária, porquê?



quinta-feira, 12 de dezembro de 2013





O direito a um lugar para viver






O Senhor Presidente da República e o seu Ministro de Negócios Estrangeiros ficaram extremamente indignados com o desembarque em Portugal de 74 refugiados sírios, vindos da Guiné-Bissau. Também a TAP afinou pelo mesmo diapasão. Entre as muitas exigências colocadas pelo Senhor Presidente da República à Guiné-Bissau está a de que o seu Governo deve esclarecer em minúcia tudo o que aconteceu no aeroporto de Bissau. Não deixa de ser caricato que o Governo português exija de um Governo, que não reconhece, explicações cabais sobre um determinado assunto. A TAP, por sua vez, tomou a decisão que lhe parecia mais correta. Suspendeu os voos entre Guiné e Portugal, trissemanal, até que existam condições objetivas para o funcionamento da empresa. Convém porém dizer que a TAP não tem poderes de polícia para aceitar ou recusar passageiros porque estes já foram liberados pelas autoridades policiais aduaneiras. Essa atitude, quanto a mim, enquadra-se numa prespetiva xenófoba e racista, prespetiva essa que não levou em consideração o facto de os passageiros virem de um país em guerra civil. E já agora, sempre quero dizer que , no deve e haver entre Portugal e a Guiné-Bissau, o saldo é francamente desfavorável à Guiné. Durante séculos os portugueses caçaram, exportaram e venderam milhares e milhares de escravos arrancados à Guiné. Quando os portugueses finalmente resolveram estabelecer-se definitivamente na região, depois do tratado de Berlim, fizeram-no a ferro e fogo. Para a  Guiné  emigraram milhares de portugueses e aí construíram as sua vidas e as suas fortunas. Finalmente, quando os povos da Guiné decidiram tornar-se independentes e construir um país, Portugal moveu-lhe uma guerra durante 12 anos  que só terminou no 25 de Abril. Devem também os portugueses lembrar-se de que há milhões de concidadãos seus emigrados no mundo, de que houve milhares e milhares de portugueses sem papéis que saíram a salto em busca da liberdade e de melhores condições de vida. Hoje mesmo milhares de portugueses, jovens na sua maioria, abandonam este país em busca de uma vida melhor em muitos lugares do mundo.
Eu mesmo fui emigrante, emigrante clandestino, passei fronteiras com papéis verdadeiros e falsos, vivi anos na clandestinidade, fui exilado político e após dez anos de prisão achei-me na condição de apátrida. Só em 1984 eu recuperei a minha cidadania. Vivo agora em Portugal, onde trabalhei, pago impostos, voto e continuo a lutar por um mundo onde ninguém tenha de ser clandestino.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013





Madiba: 

Hoje foi uma grande perda para o Mundo e maior perda para mim!
Mas não quero recordar o dia de hoje como o dia da tua partida. Quero celebrá-lo antes como o momento em que tu te transformaste em miríades de pequenas luzes que se incrustaram nos corações do teu povo e daqueles que, em todo o mundo, percorrem os teus caminhos, seguem os teus passos. Por vontade tua o teu corpo será sepultado na tua aldeia natal, junto da tua mãe e da teu filho mais velho. O teu corpo. O teu corpo, que o teu espírito já viajou para a constelação da Utopia onde te encontrarás com todos aqueles que lutaram por um mundo melhor e mais solidário, por um mundo mais fraterno. Os que ainda por aqui ficamos, os mais novos e aqueles que já estão na reta final das suas vidas, todos hão-de continuar a tua luta. Por mim, Madiba, quero dizer-te, mais uma vez e sempre, PRESENTE!
 
Alípio de Freitas

terça-feira, 24 de setembro de 2013

http://www.youtube.com/watch?v=hfKU5pA-CRI&list=PL8A0CEC4F0A877D14



Paulo Wright-Amigo maior que o pensamento

Pediram-me amigos  e antigos companheiros de Santa Catarina um depoimento sobre Paulo Wright. Sobre ele e sobre os acontecimentos que levaram à sua morte às mãos da ditadura militar brasileira.
Conheci o Paulo em 1963, no escritório central da Frente de Mobilização Popular. Era ele então deputado estadual na Assembleia Legislativa de Santa Catarina e protagonizava, em termos políticos, os propósitos da Frente de Mobilização no tocante às Reformas de Base. Foi-me apresentado pelo Paulo Shilling, secretário executivo da Frete de Mobilização Popular que me sugeriu acompanhasse o Paulo a S. Catarina para aí, com ele e com outras lideranças políticas e sociais, dinamizar  as atividades da Frente.
Assim, percorri uma boa parte do Estado de S. Catarina participando de debates e comícios. Voltaria lá no começo de 1964 (fevereiro-março) para dar continuidade a esse trabalho e ajudar o Paulo a aprofundar o que ele mesmo vinha desenvolvendo havia anos. Regressei ao Rio de Janeiro depois do comício do presidente João Goulart, na Central do Brasil, pois a minha presença era requisitada com urgência. Foi durante essas visitas a Santa Catarina que comecei a construir com Paulo Wright uma amizade que dura até hoje.
Depois do Golpe Militar de 1964 encontrámo-nos no México onde repartimos amizades e experiências. Finalmente encontrámo-nos  em Cuba que era o objetivo fundamental da nossa saída do Brasil para o exilio. Terminada a missão que nos levara a Cuba, regressámos juntos  à América Latina, via Chile onde nos separámos,  regressando ele ao Brasil e viajando eu para a Argentina. Reencontrámo-nos em S. Paulo vários meses depois. Aí, por ele, soube de tudo o que acontecera na Ação Popular depois do regresso de Aldo Arantes e Betinho. Percebi imediatamente que a nova direção regressada do Uruguai, ainda que tivesse feito aprovar o documento -base que falava extensamente da luta armada, não só não tinha qualquer intenção de organizá-la, como se opunha a quaisquer contactos com as novas Organizações revolucionárias que estavam surgindo e que também se propunham fazê-lo. Mas a prova real disso mesmo tive-a quando depois de um longo e penoso trabalho, realizado por mim e pelo Mariano (Loyola), para encontrar um lugar para um campo de treinamento, me foi dito que não era essa a intenção da Organização e que se insistíssemos nesse caminho, o melhor mesmo era abandoná-la. Falei com o Paulo sobre isso, uma vez que ele era no organigrama da AP o responsável pela organização da luta armada. A única reação que dele obtive foi a de um grande desalento e deceção. Devo esclarecer, porém, que o Paulo sempre defendeu que quem deveria ocupar-se dos assuntos refentes à luta armada era eu, uma vez que já tinha  experiências nesse campo. Fomo-nos encontrando, vez por outra, aqui e ali, sem nos perguntarmos muito sobre aquilo que cada um estava a fazer. Algum tempo depois deixei S. Paulo definitivamente e embrenhei-me por todos os lugares do Brasil onde houvera movimento camponês organizado e sabia que havia companheiros que esperavam apenas uma palavra de ordem. Tudo isso porém, à revelia da Direção da Ação Popular que permanecia em S. Paulo, esperando sentada que a ditadura caísse. Foi nesse tempo que na última reunião em que participei me foi endereçado o convite para viajar para a China, convite que eu recusei pois não tinha outra  finalidade mais do que afastar-me do Brasil. Com o Paulo fui sempre mantendo contactos  mais servindo estes para aprofundar a nossa amizade pessoal do que para discutir questões político-ideológicas. Ele estava profundamente magoado com tudo o que ia acontecendo à sua volta, e eu não queria, de modo algum, piorar a situação com que ele se debatia. A certa altura, tive a impressão, repito, a impressão, de que o único apoio e amizade que ele tinha dentro da organização era eu, tal era o desânimo que se lhe podia ler na alma.
Não faltou quem estranhasse, dentro e fora da Ação Popular, que eu não tivesse participado da reunião que levou ao seu "racha" e que desembocou na AP-ML liderada por Jair Ferreira de Sá  e  no Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT), liderado pelo denominado "grupo do Rolando"(Vinicius Caldeira Brandt). A minha ausência justifiquei-a a mim mesmo por três ordens de razões: a primeira porque a reunião era tão somente um ajuste de contas entre o grupo do Jair (os militantes que tinha estado na China durante a Revolução Cultural) e os antigos dirigentes da Ação Popular que, vindos do Uruguai, usurparam o poder depondo a Direção então existente no Brasil; a segunda, era que nessa reunião participavam o Paulo Wright e o José Novais (líder camponês do nordeste), que eu sabia ficariam com a AP-ML, mas de quem me era absolutamente penoso  separar, tal era a nossa amizade  e identidade ideológica; a terceira razão era o facto de  a AP-ML tal como a antiga AP ser incapaz de compreender a necessidade e urgência de fazer confluir a esquerda revolucionária num único projeto que fosse credível e eficaz.
O José Novais encontrei-o casualmente já depois da Amnistia no aeroporto de S. Paulo, sendo ele então militante e dirigente do Partido dos Trabalhadores. O nosso abraço sem palavras e só com lágrimas ressarciu-nos do tempo perdido. Do Paulo fui sabendo notícias, cada vez mais esparsas, até à da sua prisão e desaparecimento. A ele chorei-o sozinho.
Muitas vezes quis acreditar que no final dos tempos  justiça se faria a todos aqueles que amaram os seus irmãos a ponto de darem por eles as suas vidas. Mas esse é um privilégio dos crentes. Eu prefiro ficar-me  com uma história que um dia, sendo eu ainda menino, me ensinou um velho lutador das causas do povo. Para lá do imaginário das pessoas e para lá de tudo o que as crenças ensinam, existe uma constelação, que os astrónomos não conhecem nem identificam - a constelação da Utopia - onde todos aqueles que lutam toda a sua vida por um mundo só de irmãos se transformam em estrelas quando partem da terra , cumprida a sua missão. É para lá que eu olho, seja qual for o tempo, sempre que quero recordar o Paulo Wright, o José Novais, o Mariano, o Raimundinho, o Augusto do Nascimento,  o João Pedro Teixeira, o Marighella, o Lamarca, o Frei Tito, o Câmara Ferreira, o José Porfírio, o Epaminondas, o Massena e os mil e mil outros que lutaram todos os dias e cujas vidas foram ceifadas pelo capitalismo, pelo latifúndio, por ditaduras cruéis. Neste momento em que a cegueira física me jogou num labirinto do qual sozinho jamais saberia sair e em que algumas vezes, mesmo com a meta à vista, a vontade de existir é quase insuportável, é deles, de todos eles e muito especialmente do Paulo que me socorro para continuar. Obrigado, Paulo.
É importante que se recorde aqui que a opção do Paulo Wright  pela Revolução não só foi uma opção de alto risco como lhe custou inúmeros sacrifícios e incompreensões. Mas essa escolha começara a delinear-se já antes de 1964 quando quase solitariamente, como deputado estadual, começou a interessar-se pelas organizações sindicais de trabalhadores e pescadores, transformando a sua opção evangélica numa força combativa  permanentemente ao serviço dos pobres e dos trabalhadores. Depois de 64 não teve dúvidas e dividiu com a sua família a quem não deu a assistência que gostaria de ter dado, os custos de uma clandestinidade difícil. Como militante revolucionário nunca discutiu cargos na hierarquia das organizações a que pertenceu, mas sempre esteve disponível para o cumprimento de todas as tarefas de que o incumbiram. Viveu pobremente, às vezes em quase situação de miséria como alguns amigos comuns me reportaram. Foi expulso da sua Igreja como se de um herege se tratasse  e só bem tardiamente essa mesma Igreja o readmitiu atribuindo-lhe o lugar que era seu por direito. Também a Assembleia Legislativa do seu Estado a quem ele prestigiou com a sua luta, o expulsou. Tardou a reconhecer-lhe os seu méritos de cidadão, cidadão empenhado e lutador das verdadeiras causas do povo. Vale, porém, que do coração e da memória  dos seus familiares, amigos e companheiros ele nunca esteve ausente.
José Afonso foi o maior cantautor revolucionário de sempre da língua portuguesa. Valendo-me da amizade que nos unia quero deixar nesta crónica  uma das suas canções, para mim, a mais simbólica  e representativa de todas as que escreveu,  como se fora uma homenagem ao Paulo Wright.    

"Utopia" de Zeca Afonso
Cidade
Sem muros nem ameias
Gente igual por dentro
Gente igual por fora
Onde a folha da palma
afaga a cantaria

Cidade do homem
Não do lobo, mas irmão
Capital da alegria
Braço que dormes
nos braços do rio
Toma o fruto da terra
É teu a ti o deves
lança o teu desafio

Homem que olhas nos olhos
que não negas
o sorriso, a palavra forte e justa
Homem para quem
o nada disto custa

Será que existe
lá para os lados do oriente
Este rio, este rumo, esta gaivota
Que outro fumo deverei seguir
na minha rota?

sexta-feira, 28 de junho de 2013



E agora?...


Hoje, Sexta-Feira, é o dia seguinte à Greve Geral. Todos estamos de acordo em que ela teve aspetos muito positivos, o maior dos quais quanto a mim foi o de ter unido as duas centrais sindicais – CGTP e UGT, numa mesma luta, ainda que com objetivos distintos. A CGTP continua empenhada, através de greves gerais ou parciais derrubar o governo. Este é o seu objetivo sempre confessado. É legítimo? Será suficiente? A UGT teve como principal objetivo obrigar o governo a negociar, a negociar seriamente, honradamente, honestamente, como o fariam ou fazem as pessoas de bem. Mas será que poderemos considerar este Governo e outros negociadores como “pessoas de bem”? Só a UGT no-lo pode confirmar. Pessoalmente acho, estou certo, sem pretensões de futurólogo ou profeta que nem a CGTP derrubará o governo - por mais greves que faça-, nem a UGT obrigará a uma negociação honesta, honrada.  Está bem claro, por toda a política definida por este Governo, que os problemas deste país serão resolvidos somente através das medidas de austeridade, o que em primeira e última análise significa desemprego, falências, emigração, suicídios, pobreza em crescimento, negação de direitos já adquiridos. Será através de todos estes processos políticos criminosos que este Governo, pau mandado de uma União Europeia, que nem é União nem é Europeia, mas que corresponde apenas aos interesses da Alemanha, que já foi Império, que já foi nazista e que sempre usou o seu poder para explorar e oprimir os seus vizinhos, pretende cumprir o seu programa. O objetivo final deste Governo nem é sequer o empobrecimento do país mas  tão somente o de reduzi-lo à indignidade. Um país pode ser pobre mas pode reagir a essa situação.Porém se perde a dignidade qualquer ato de resistência se torna inviável. Portugal é o exemplo  disso que acabo de dizer. O que a Inquisição e tudo o que se lhe seguiu até ao 25 de Abril fizeram do povo português não foi apenas empobrece-lo, foi roubar-lhe a dignidade e assim impedi-lo de reagir. O 25 de Abril foi uma espécie de despertar, um ato de rejeição à indignidade estabelecida. Infelizmente com o fim do PREC e o 25 de Novembro chegámos até onde estamos agora. Não creio, portanto, que apenas com greves gerais e conversas na concertação social possamos mudar esta situação de indignidade. Por isso saúdo a attitude do grupo de jovens que depois de ouvir o discurso e a ordem de dispersão do Secrtário GeraL da CGTP decidiu continuar o seu protesto ainda que nada de concreto tivesse planeado.A polícia procedeu como qualquer polícia de qualquer país  do mundo, reprimindo a Manifestação de forma violenta.  Da minha parte reafirmo que sempre estarei presente em todas as Manifestações do povo, apesar dos meus 85 anos. Mas quem sabe talvez um dia veja avançar na frente da multidão em direção ao Parlamento e a Belém as forcas tão urgentemente   necessárias. Já que há crime, que haja castigo.

segunda-feira, 24 de junho de 2013


 
 
Cada macaco no seu galho

Já, por mais de uma vez, ouvi comentadores quase identificar o que se passa na Turquia, em termos de manifestações populares, com o que se está a passar no Brasil - também com grandes manifestações nas ruas. Para mim o que há de comum no que acontece na Turquia e no Brasil é que o povo se manifesta publicamente, de forma ruidosa e massiva, por aquilo que são os seu direitos. Na Turquia, onde um governo reacionário e pró islâmico quer fazer regressar a sociedade turca a tempos e costumes que já pareciam esquecidos, o povo luta bravamente contra uma polícia cuja postura habitual é o uso da violência para manter o direito a viver numa sociedade laica, imposta e definida nos anos 20 do séc. XX por Mustafa Kemal, o Ataturk. O império Otomano vinha de uma derrota fulgurosa, já que fora aliado da Alemanha na 1ª Guerra Mundial e desagregara-se em 1000 pedaços dando origem a uma série de novos países e emirados independentes. Do que fora o império Otomano restava apenas a Turquia, ou seja, pouco mais de 20% do que fora a totalidade do território do império Otomano. Foi em cima dessa ruína que Mustafa Kemal construiu a Turquia moderna, ocidentalizando-a, e abrindo-a ao progresso social e cultural. Embalado pela onda de integrismo islâmico, o actual governo da Turquia iniciou de forma subtil, mas sistemática - consumando-se “o regresso” das Burkas. É contra esse regresso e pela manutenção da Turquia laica, aberta ao progresso e à novidade que se luta hoje nas ruas e nas praças de Istambul. É uma luta civilizacional. Os sectores mais esclarecidos e dinâmicos da sociedade turca, sobretudo a sua juventude, estão atentos aos resultados da Primavera Árabe que, apesar das promessas de liberdade se transformou rapidamente num movimento opressor, retrogrado e fundamentalista. Sendo assim não se entende de que modo os comentadores políticos associam e encontram semelhanças entre o que se está a passar na Turquia e aquilo que ocorre no Brasil. A opressão a que está submetido o povo brasileiro é de outra natureza, é mais básica. No Brasil a senzala sai à rua exigindo saúde, escola, transportes, moradia, cultura, direitos políticos, justiça, o direito a ser tratado como branco, uma vez que os pobres, os trabalhadores, os favelados, os moradores de subúrbio, os camponeses - independentemente do matiz da pele – são todos pretos. Enquanto no Brasil se mantiver a ideologia da Casa Grande-Senzala todas as análises políticas carecerão de sentido. Todos os males do Brasil, desde a corrupção generalizada até à arbitrariedade programada das polícias. Todos esses males decorrem do único facto de que o fosso entre a Casa Grande e a Senzala, ricos e pobres, cada vez se alarga e aprofunda mais. A sociedade brasileira é estruturalmente injusta, resiste a qualquer mudança que favoreça verdadeiramente os pobres ou que os inclua no sistema de poder. Assim, não consigo prever como a Presidenta Dilma se vai desenvencilhar dos problemas que a atormentam. Para mais o Brasil é uma república federativa onde todas as decisões, mesmo as que veem do poder central, dependem na sua aplicação dos governos estaduais. É sabido que alguns desses governadores não só não são afectos ao governo da Presidenta Dilma como até se opõem às suas decisões e até já estão em campanha para disputar-lhe o cargo na próxima eleição presidencial. Para fazer valer as suas decisões, a Presidenta Dilma teria que intervir nesses Estados, mas, para isso, necessitaria de autorização do congresso e da anuência das forças armadas, pois são elas a única força federal. Assim, aquelas três promessas de, educação para todos, saúde universal e transportes colectivos decentes e eficazes podem ficar no papel ou então, as verbas a ele destinados, irem parar aos bolsos do costume - os dos políticos. Quanto a mim essa situação só poderá mudar se todas as forças que estão interessadas na mudança se unirem à volta de um programa comum e jogarem de uma vez só no caixote do lixo da história a Casa Grande e a Senzala, criando o Brasil Novo – a Terra Sem Males.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

A praça é do povo

                                                 Praça Tiradentes(Ouro Preto)


Finalmente, e com grande surpresa minha, a imprensa portuguesa começou a preocupar-se com o Brasil por causa das manifestações que há uma semana vêm ocorrendo naquele país. Todos os dias chegam informações do correspondente da RTP no Brasil, cuja competência e conhecimento sobre o Brasil e América Latina não quero aqui discutir. Mas também os comentadores indígenas têm dado as suas opiniões sobre o que está a acontecer no país irmão no outro lado do atlântico. Agora já não são as novelas brasileiras, nem o futebol, nem a corrupção dos políticos, os pratos fortes dos seus comentários. Devo porém dizer que tanto os comentários do comentarista da RTP como os dos comentaristas indígenas revelam apenas, e tão-somente, um desconhecimento total da sociedade brasileira, do processo da sua formação e do seu começo. Talvez exigir esse conhecimento seja demasiado, mas para que os comentários tenham alguma credibilidade ele é absolutamente necessário. O Brasil-colónia criado em meados do séc. XVI foi construído em cima de um binómio que com algumas diferenças se mantém. É o binómio Casa grande - Senzala. A Casa Grande era o símbolo e também a forma de exercer o poder político, económico e cultural, em que se baseava a exploração colonial. A Senzala, por sua vez, era o local onde se concentrava a força de trabalho, primeiro a dos índios cativos, que por incrível que pareça eram os donos expropriados da terra e mais tarde os escravos negros arrancados a África. A comunicação entre a Casa Grande e a Senzala fazia-se sobretudo através da mestiçagem e mais tarde por meio de feitores brancos pobres emigrados ou desterrados par a colónia. Esta organização social, Casa Grande- Senzala, mantem-se com algumas diferenças até hoje. A Casa Grande continuou ocupada pelos descendentes dos primeiros colonos e também pelos novos tipos de colonização “banqueiros, traficantes de escravos, novos donatários, capitalistas de várias matizes, representantes do capitalismo inglês e depois norte-americano, grupos financeiros autóctones ligados a vários interesses estrangeiros …”. Na Senzala cabe todo o resto do Brasil, desde os operários fabris organizados ou avulsos aos camponeses com pouca terra ou sem terra, aos remanescentes das nações indígenas, todos os pretos e pobres do país, os desempregados, os sem trabalho, os sem qualificação profissional, a maior parte, a quase totalidade da “nova classe média” criada pela Bolsa Família e todos os sectores da classe média proletarizados. Temos assim, de um lado, os possuidores - aqueles que detêm a quase totalidade da riqueza produzida no Brasil que são um número reduzido e, do outro, a totalidade do povo brasileiro, daquele povo que hoje se manifesta nas ruas, não apenas por causa do aumento do preço dos transportes, mas sobretudo, porque não tem escola, não tem saúde, não tem trabalho, não tem transportes, mora mal, está ausente do que vulgarmente se considera cultura, nem se quer lhe resta o futebol, não só porque é caro mas também porque todos os seu ídolos foram traficados para os clubes europeus. Convém lembrar a todos aqueles que querem aventurar-se em comentários sobre a situação no Brasil que este país é aquele onde o fosso entre ricos e pobres é maior em qualquer lugar do mundo. Assim toda a riqueza se concentra na mão de uns poucos, todos eles ligados ao capital financeiro internacional ou interesses da mesma natureza e que são donos dos bancos, de toda a indústria, e de quase toda a terra disponível, que podem perpetuar sem nenhuma responsabilidade cívica ou jurídica a escravatura e condenar à fome a parte do povo que lhes aprouver. É bom lembrar que no Brasil a absoluta maioria da terra é destinada à criação de gado para exportação, de cana-de-açúcar para produzir combustíveis, de soja que os brasileiros não consomem e por isso tem outros destinos e finalidades, de fibras vegetais e de produtos de sobremesa como o chá, café e cacau. No Brasil um boi tem direito a dois hectares de terra mas há 30 milhões de famílias camponesas que não têm nem um pedaço onde possam cair mortas. Quando nós aqui não temos qualquer confiança nos políticos, pois a política partidária já caiu em descrédito, é preciso ir ao Brasil para saber o que isso significa verdadeiramente. No Brasil todos os partidos sem qualquer distinção não passam de valhacoutos onde se abrigam toda a espécie de bandidos, marginais, traficantes e exploradores do povo. Podem medir-se todos pelo mesmo raseiro, pois, desde o PT ao PSDB, passando por todos os outros todos, lêem pela mesma cartilha. Todas as tentativas de devolver o poder ao povo foram boicotadas para reforçar o sistema partidário vigente, que não passa de uma partidocracia. Quanto à Justiça, que devia ser um dos pilares da sociedade, ela está ao mesmo nível dos partidos. É evidente que entre as centenas de juízes que existem no Brasil há alguns que pautam as suas decisões de acordo com a ética e a verdade mas, a maioria, tem um preço. É ilusório achar que o Brasil piorou só porque houve uma mudança de inquilino no palácio do Planalto. É evidente que Lula e Dilma não têm a mesma origem social, não leram pela mesma cartilha, não foram educados nos mesmos colégios, nem militaram nas mesmas organizações. Lula fazia parte do exército dos excluídos, menino pobre emigrou para São Paulo, frequentou a escola primária até ao terceiro ano e depois foi para a rua vender pirolitos, amendoim torrado e coisas semelhantes para ajudar a pobre economia familiar sustentada pela sua mãe. Quando teve idade legal para trabalhar, aos doze anos, entrou para o mundo do trabalho e foi daí que chegou à Presidência da República. Chegou com as memórias do menino pobre que teve que trabalhar para sobreviver, acrescentadas com a ideologia de um trabalhador e a muita experiência das lutas sindicais. Por isso, ainda que muitas vezes tenham tentado seduzi-lo com os encantos da burguesia ele teve o bom senso de resistir a isso e manter-se fiel ao povo de que era originário. Nem tudo foi perfeito, é verdade, mas no fundamental Lula manteve-se fiel à sua classe social. A Dilma, pelo contrário, veio da Casa Grande, de família abastada aluna de colégios particulares, só descobriu o outro lado do mundo a caminho da Universidade. Depois veio a ditadura e a sua opção pela luta revolucionária. O que não pode saber-se é até que ponto ela se despiu da sua ideologia para assimilar a ideologia do povo trabalhador. Ela é pessoa de grandes qualidades, de grande força de carácter, tem talvez uma visão mais ou menos correcta dos caminhos que o Brasil deve trilhar, mas esqueceu-se que essa caminhada só se pode fazer com o povo. Por isso, ela permitiu que os movimentos sociais fossem criminalizados, ela não ouviu as vozes que vinham do Brasil profundo e deixou que camponeses e líderes indígenas fossem assassinados, que as grandes empresas que constroem as grandes obras do momento mantenham os seus trabalhadores em acampamentos que parecem campos de concentração. Permitiu que a corrupção corroesse partes significativas e demasiado importantes dos pilares da nação.
Assiste-se actualmente no Brasil a uma onda avassaladora de igrejas evangélicas, todas elas   apostadas  em conduzir o povo à salvação, mas que em muitos casos, ou quase sempre, não passam de grandes grupos financeiros com pouco evangelho, ou de pequenas igrejas que mais servem ao pastor  que aos crentes. De qualquer modo é bem possível, já que a igreja católica sempre se omitiu dessa tarefa, que as igrejas evangélicas tenham levado os crentes a ler a Bíblia. Assim talvez milhões de brasileiros tenham constatado no livro do Génesis que “ no princípio era o caos” e que Deus criou o mundo a partir do nada. Por outro lado, seria bom saber se todos os “istas” do Brasil estarão de acordo com MAO quando ele afirma que “a sociedade nova só pode ser criada a partir do caos”. Se “istas” e evangélicos estiverem de acordo pode até ser que se faça “luz”. Pessoalmente prefiro as antiquíssimas lendas dos povos indígenas que se referem à criação de um novo mundo a partir deste como a “Terra Sem Males”. Para isso não precisamos de nenhum Deus, evitando-se assim um conflito entre os “istas” e os evangélicos. A construção da “Terra Sem Males” será uma criação do Homem, de todos os Homens, de todo o Povo.

sexta-feira, 1 de março de 2013



Segurança de quem ou contra quem?

Seguramente nenhum membro das Forças de Segurança nem mesmo o Ministro que lhe dá ordens e as tutela lerá aquilo que, abaixo, vou escrever. Não importa, escreverei assim mesmo.
Não se pede às Forças de Segurança que se associem às Manifestações populares, que em todo o país, se vão realizar contra  a TROIKA e este Governo anti-popular que ela, a Troika, mantém aqui, em Portugal, a prazo.
Aliás se as Forças de Segurança( policiais e outros) não estivessem intoxicados por uma Doutrina de Segurança que coloca o Estado acima do Povo, de um Estado que apenas respeita os interesses da burguesia e do capital financeiro, não fosse essa intoxicação, as Forças de Segurança participariam das Manifestações de uma forma inequívoca  demonstrando que elas- as forças e segurança-também são povo.
Afinal quem vai participar nas Manifestações? A TROIKA? Os banqueiros? Os ministros? Os capitães da Indústria? Os marajás do comércio? Os traficantes dos off-shores? Os administradores das parcerias público-privadas?
Não, nenhum desses senhores participará de qualquer Manifestação. Quem lá estará serão trabalhadores, empregados e desempregados, jovens licenciados, com um pé na imigração, reformados a quem o estado assaltou as pensões, ex-classe média hoje na indigência, portugueses e outros sem abrigo, sem saúde, sem escola, sem nada daquilo a que qualquer ser humano tem direito. A Grândola cantada por esses milhares e milhares de vozes é o seu grito de guerra, duma guerra que nem o tempo nem a violência conseguirão vencer. É um gesto de guerra e de triunfo.
E agora alguma perguntas incómodas para os membros das Forças de Segurança:
Quantos de vós sois filhos de banqueiros, ministros ou de latifundiários?
Quantos de vós morais na quinta da Marinha ou nos apartamentos sumptuosos de Cascais ou da Expo
Quantos de vós frequentais os restaurantes da moda, aqueles onde se cruzam banqueiros, ministros e traficantes?
Quantos de vós sois presença habitual  das vernissages, dos desfiles de moda e dos avant-première de filmes ou de peças de teatro?
Quantos de vós passais férias com as vossas famílias no estrangeiro, em resorts paradisíacos, fazeis safaris milionários ou dais a volta ao mundo em paquetes de luxo?
Os vossos carros, se é que os tendes, são aqueles top de gama ou de segunda ou terceira  mão e cuja cilindrada não ultrapassa os 1100c.c.?
Quais são os vossos salários? vinte e cinco mil euros, dez mil,  cinco mil ou menos de mil?
Poderia fazer-vos muitas mais perguntas mas não acho necessário. Respondei em consciência apenas a estas e depois decidi de que lado ficar, não apenas na hora das manifestações , mas sempre. Se  do lado de quem vos oprime e manda se do dos vossos iguais, pais e irmãos, que, apesar de tudo, sempre dividem convosco o pouco que a TROIKA lhes deixa.