Cada macaco no seu galho
Já, por mais de uma vez, ouvi
comentadores quase identificar o que se passa na Turquia, em termos de
manifestações populares, com o que se está a passar no Brasil - também com
grandes manifestações nas ruas. Para mim o que há de comum no que acontece na
Turquia e no Brasil é que o povo se manifesta publicamente, de forma ruidosa e
massiva, por aquilo que são os seu direitos. Na Turquia, onde um governo
reacionário e pró islâmico quer fazer regressar a sociedade turca a tempos e
costumes que já pareciam esquecidos, o povo luta bravamente contra uma polícia cuja
postura habitual é o uso da violência para manter o direito a viver numa
sociedade laica, imposta e definida nos anos 20 do séc. XX por Mustafa Kemal, o
Ataturk. O império Otomano vinha de uma derrota fulgurosa, já que fora aliado
da Alemanha na 1ª Guerra Mundial e desagregara-se em 1000 pedaços dando origem
a uma série de novos países e emirados independentes. Do que fora o império
Otomano restava apenas a Turquia, ou seja, pouco mais de 20% do que fora a
totalidade do território do império Otomano. Foi em cima dessa ruína que
Mustafa Kemal construiu a Turquia moderna, ocidentalizando-a, e abrindo-a ao
progresso social e cultural. Embalado pela onda de integrismo islâmico, o
actual governo da Turquia iniciou de forma subtil, mas sistemática - consumando-se
“o regresso” das Burkas. É contra esse regresso e pela manutenção da Turquia
laica, aberta ao progresso e à novidade que se luta hoje nas ruas e nas praças
de Istambul. É uma luta civilizacional. Os sectores mais esclarecidos e
dinâmicos da sociedade turca, sobretudo a sua juventude, estão atentos aos
resultados da Primavera Árabe que, apesar das promessas de liberdade se
transformou rapidamente num movimento opressor, retrogrado e fundamentalista.
Sendo assim não se entende de que modo os comentadores políticos associam e
encontram semelhanças entre o que se está a passar na Turquia e aquilo que
ocorre no Brasil. A opressão a que está submetido o povo brasileiro é de outra
natureza, é mais básica. No Brasil a senzala sai à rua exigindo saúde, escola,
transportes, moradia, cultura, direitos políticos, justiça, o direito a ser
tratado como branco, uma vez que os pobres, os trabalhadores, os favelados, os
moradores de subúrbio, os camponeses - independentemente do matiz da pele – são
todos pretos. Enquanto no Brasil se mantiver a ideologia da Casa Grande-Senzala
todas as análises políticas carecerão de sentido. Todos os males do Brasil,
desde a corrupção generalizada até à arbitrariedade programada das polícias.
Todos esses males decorrem do único facto de que o fosso entre a Casa Grande e
a Senzala, ricos e pobres, cada vez se alarga e aprofunda mais. A sociedade
brasileira é estruturalmente injusta, resiste a qualquer mudança que favoreça
verdadeiramente os pobres ou que os inclua no sistema de poder. Assim, não
consigo prever como a Presidenta Dilma se vai desenvencilhar dos problemas que
a atormentam. Para mais o Brasil é uma república federativa onde todas as
decisões, mesmo as que veem do poder central, dependem na sua aplicação dos
governos estaduais. É sabido que alguns desses governadores não só não são
afectos ao governo da Presidenta Dilma como até se opõem às suas decisões e até
já estão em campanha para disputar-lhe o cargo na próxima eleição presidencial.
Para fazer valer as suas decisões, a Presidenta Dilma teria que intervir nesses
Estados, mas, para isso, necessitaria de autorização do congresso e da anuência
das forças armadas, pois são elas a única força federal. Assim, aquelas três
promessas de, educação para todos, saúde universal e transportes colectivos
decentes e eficazes podem ficar no papel ou então, as verbas a ele destinados,
irem parar aos bolsos do costume - os dos políticos. Quanto a mim essa situação
só poderá mudar se todas as forças que estão interessadas na mudança se unirem
à volta de um programa comum e jogarem de uma vez só no caixote do lixo da
história a Casa Grande e a Senzala, criando o Brasil Novo – a Terra Sem Males.
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