Carta Vária, porquê?



segunda-feira, 22 de fevereiro de 2016

Adeus , Comandante!




 
 

A morte e o funeral do Almirante Victor Crespo passou quase despercebida, tal como se ele fosse um cidadão anónimo. Infelizmente, isso não aconteceu só com ele, vem acontecendo também com outros. Parece que este país e, especialmente os políticos que nos governam, querem esquecer o 25 de Abril, ignorando aqueles que o planearam e possibilitaram. São esses os mesmos que já retiraram do calendário oficial o dia 5 de outubro, data da implantação da República, o dia 1º de dezembro, dia da restauração da independência e ainda outras datas, algumas de caracter religioso mas todas intimamente ligadas à identidade do povo português.

Talvez não demore o tempo em que estes mesmos senhores obriguem o povo português a recordar a data do estabelecimento da Inquisição em Portugal, a data das cortes de Tomar, onde o ouro de Filipe II de Espanha determinou a anexação de Portugal ao reino Espanhol, ou até o dia 28 de Maio de 1926, segundo estes mesmos políticos, data da “revolução nacional”. É só esperar para ver!

Espero que ao menos em Moçambique o Almirante Victor Crespo tenha sido recordado, pois, a sua ação como Alto-comissário foi decisiva para a independência desse país. É bem sabido que os brancos nascidos ou residentes na ex-colónia, a África do Sul, ainda sob o domínio do racismo Boer e a Rodésia do Sul, de Ian Smith se preparavam para transformar Moçambique também num “país branco”. Foi a ação enérgica e determinada do Almirante Victor Crespo que impediu que tal acontecesse. Conheci em Portugal e em Moçambique alguns brancos e mestiços que o odiavam, mas muitos mais que o tinham na consideração de quase um deus. Também em Portugal acontecia quase o mesmo. Leve-se em conta, ainda, que foi a atitude do Almirante Victor Crespo que iniciou a derrota do apartheid, mais tarde consumada em Angola, pelo corpo expedicionário cubano que derrotou definitivamente o exército do apartheid.

Lembrem-se o Presidente da República e este Governo, que apesar das suas atitudes , no mínimo grosseiras, em Portugal sempre haverá quem recorde com saudade , respeito e gratidão o Almirante Victor Crespo.

Alípio de Freitas

Evocação de Zeca Afonso


Nos dias 13 e 20 de Fevereiro, p.p.os  Núcleos da Associação José Afonso de Tavira e de Almada/Seixal, ao festejarem o seu primeiro aniversário,  promoveram  homenagens ao seu patrono, homenagens estas que foram  amplamente participadas e concorridas. Nelas estiveram presentes músicos que foram companheiros do Zeca e alguns que não o tendo sido, o tocam e cantam frequentemente. Estes acontecimentos vêm corroborar a atualidade de José Afonso e sobretudo estar atentos à sua mensagem. Hoje, como ontem, a sua palavra e a sua música são absolutamente atuais e impõem-se pelo seu caracter revolucionário. Ouvir hoje José Afonso é uma necessidade imperiosa, pois é obrigatório despertar as consciências que parecem adormecidas, longe da sua mensagem. É imperioso, portanto, que estes atos se repitam até porque  eles abrem caminho a novas participações , a movimentos de consciência , que possam terminar de vez com  a abulia política e social em que Portugal parece mergulhado.
Também eu te evoco, amigo, no dia em que partiste e me deixaste quase sem chão. Pela tua solidariedade, pela tua dedicação a causas, pela tua grandeza humana, pela tua música que se espalhou por muitos lugares e foi denuncia de uma ditadura cruel que me ia destruindo. A minha, tua cantiga, pode ter contribuído para poupar a minha e muitas vidas. Por isso te serei sempre grato. Obrigado pela vida que nos deste.
Por fim quero agradecer aos Núcleos de Tavira e Almada/Seixal e a todas as pessoas que tendo participado desta evocação de José Afonso, me quiseram homenagear recordando o meu caminho no sentido da libertação dos povos. Eu, gostaria de dedicar esta homenagem a todos os meus companheiros que lutaram e morreram incógnitos na sua luta por um mundo melhor.

 
Registo aqui dois testemunhos de amigos, cujas palavras eu não mereço, mas eles merecem que eu agradeça e registe o seu carinho e amizade.
 
De José Fanha:
Querido Alípio, companheiro imprescindível dos pobres e dos poetas, 
Já te disse e repito outra e outra vez:   tu és o a pai que eu gostava de ter tido.
Mas creio que se fosse teu filho não teria recebido   das tuas mãos com menos emoção esse amor à liberdade e à justiça, essa rebeldia perante os poderosos, essa  limpeza de olhar capaz de varar ditadores e carrascos, esse abraço solidário que une os pobres da Terra numa profunda e maravilhosa humanidade.
Querido Alípio 
Desculpa não estar hoje aí ao teu lado. 
Mas permite-me que te diga: bem hajas por cada dia que nos dás. JFanha
De Vladimir José Roque Laia:
Conhecem vocês hoje um Homem excepcional, daqueles com quem nos cruzamos, ao longo da vida, raramente. Digo isto porque tem, e mantem, a postura serena, a simplicidade firme, mas discreta, de quem tranquilamente sabe que, nas suas andanças pelo Mundo, sempre esteve do lado, e ao lado, dos amordaçados, dos injustiçados, dos oprimidos, dos explorados - pelos quais fez ouvir a sua voz e sempre lutou, tendo sofrido duramente na pele, que não no espírito, o arrojo de manter intacta a sua coerência ideológica, filosófica e política. Creio que nisso também consiste a sua honra e a orgulhosa paz interior de que nos apercebemos.
Conheci-o pessoalmente , quando integrámos a comissão política da candidatura do Carlos Marques, então dirigente da UDP, ás presidenciais do ano de 1986, quando finalmente o seu país de origem o acolhera, após 10 anos de duríssima prisão durante a ditadura dos coronéis no Brasil e após ser apátrida, altura em que só o Moçambique de Samora Machel fora o único país que o recebera. Nunca falava de tudo isso, só o presente do que havia a fazer para o futuro interessava, do passado interessavam as lições e as reflexões sobre os acertos e desacertos nos caminhos percorridos. Humanista e activista convicto como era, não pudera deixar de estar numa candidatura cujo lema era "a coragem de ser solidário".
Então como hoje, mantem essa fibra e a mesma coragem - até na luta contra as adversidades, de uma saúde debilitada pelos trabalhos, pelas sevícias e tortura e pela péssima alimentação na prisão, nas quais sempre contou com enorme esteio da sua Mulher.
Ouçam-no, porque vale a pena ouvirem-no, concordem ou não com tudo o que ele diga. Por mim, que lamento não poder estar presente para ouvir, com a estima, admiração e respeito que por ele tenho, envio-lhe um grande e afectuoso abraço,
Vladimir José Roque Laia