Carta Vária, porquê?



domingo, 24 de julho de 2011

O primeiro passo



A decisão do 2.º tribunal criminal de Lisboa, inocentando os cidadãos Margarida, Carlos e José do atentado ao bom nome do major Silva Pais, último director da PIDE, declarando nulas as pretensões a uma indemnização monetária dos sobrinhos do dito major, abre caminho ao estabelecimento do Direito à  Memória e à Verdade de todos aqueles que, ao longo de quarenta e oito anos, foram perseguidos pelo fascismo. Creio ainda, que o actual Estado deve começar a conscientizar-se de que terá de indemnizar materialmente as vítimas do fascismo se elas assim o exigirem.
O Estado português de hoje é o mesmo que se implantou em 1910 com a proclamação da República, que se organizou, segundo as normas dos regimes burgueses, republicanos e democráticos. O fascismo não foi um rompimento com o Estado burguês. Foi tão somente uma ruptura com a democracia. Como aconteceu noutros países. O 25 de Abril quis ser uma Revolução mas teve o seu rumo "corrigido" (?) pelo 25 de Novembro, restabelecendo o regime democrático representativo  burguês. Revolução teria sido se ao fascismo se tivesse implantado um regime democrático, representativo e participativo. Se se tivesse erguido uma sociedade nova, com a participação activa dos cidadãos. Lá chegaremos pois a esperança num mundo melhor e mais solidário é a Utopia a perseguir.
Mas o que o tribunal não definiu, nem podia definir, é a responsabilidade que todos temos quando permitimos que se branqueie a História, que se apague a memória e se substitua a verdade por uma vaga e improvável lembrança. Esta luta não é uma obrigação só das vítimas. Também é. Mas não isenta a sociedade do seu dever.
Há mais de duas horas que estou para terminar este apontamento...duas horas a olhar para uma folha de papel , com a cabeça encostada na mão onde  tenho a caneta. As lágrimas correm-me pelo rosto silenciosamente. É que de repente, ao imaginar os crimes do major Silva Pais, assaltaram-me, em tropel, as memórias vividas dos dias e anos de lutas de morte para que a liberdade, mesmo oprimida, pudesse sobreviver. E das memórias lidas, ouvidas, adquiridas sobre os crimes cometidos em todos os Tarrafais do mundo, em todos os Gulagues, em todos os campos de trabalho e concentração, em todos os antros de terror, covis de todas as PIDES, KGB, GESTAPO, DOI-CODI, CENIMAR  ou que sigla fosse. Todos eles vêm comprovar a marca, o ferrete inapagável do TERROR.
Por mim desejaria que o tempo que tudo apaga, não pudesse jamais apagar a memória desse tempo, para que se não repita.
O juiz António Passos Leite que pronunciou a sentença ilibatória de José Manuel  Castanheira, Carlos Fragateiro e Margarida Fonseca Santos a certa altura disse :"a crítica pública deve ser um direito e não um risco".
Os que lerem esta crónica reflictam sobre essas palavras. Hoje paro por aqui.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

As mães da Praça de Maio já são avós


Tudo leva o seu tempo a amadurecer. Os frutos, os homens as ideias, as vontades, as decisões. Tudo. E os tempos de amadurecer não são os mesmos, nem são iguais em todos os lugares. Variam de lugar para lugar e variam também de época. A mim parece-me bem que isso aconteça assim pois , deste modo, a força da natureza e a vontade dos homens estão sempre ocupados e em ebulição.
Vêm estas reflexões a propósito da acção  movida pelos sobrinhos de Silva Pais, director da PIDE, contra  uma cidadã e dois cidadãos por causa da peça de teatro "A Filha Rebelde".
Por este caminho, qualquer dia os tribunais vão entupir com processos semelhantes movidos por todos os sobrinhos e sobrinhas de Gomes da Costa,  Carmona,  Américo Thomaz, Tenreiro, Oliveira Salazar , o quase eterno presidente do Conselho de Ministros do regime fascista, do seu herdeiro político e ideológico Marcelo Caetano e de todos os ministros do Interior, da Justiça e das Colónias que mandaram prender, torturar, desterrar e assassinar centenas de patriotas anti-fascistas e anti-colonialistas, desde trabalhadores a lideres sindicais e militantes políticos.
E agora cabe aqui uma pergunta: o que fizeram os políticos que assumiram o poder depois do 25 de Abril para denunciar e punir os responsáveis pelos 48 anos de opressão fascista, de obscurantismo programado, de destruição da consciência colectiva - por quase meio século de castração social?
Para onde foram os juízes dos tribunais plenários e os outros, que em vez de praticar a justiça, praticaram a iniquidade? E por acaso houve saneamentos na diplomacia? Uma diplomacia que nada mais era do que a continuidade da PIDE e um formidável embuste para os milhões de emigrantes portugueses?
A partir de certa altura, depois do 25 de Novembro, quando a "Democracia" já estava estabilizada, todos aqueles que fugiram ou foram fugidos do 25 de Abril começaram a regressar. Tranquilos, seguros, impunes. E foram tomando conta da economia, da política, das terras e de tudo o que pode gerar riqueza e do Estado, enfim. Daí ao branqueamento do fascismo foi um passo. Felizmente o país começa a dar-se conta disso. Há já pequenos passos significativos. Quem pôs os generais argentinos na prisão foram "Las Madres de la Plaza de Mayo".Um dia também aqui em Portugal, pela vontade das mulheres e dos homens será  reconhecido o Direito à Memória e à Verdade.


segunda-feira, 18 de julho de 2011

Moubarak ao tribunal



Confesso que estou verdadeiramente preocupado com a saúde de Hosni Moubarak, o deposto ditador egípcio. É que a morte pode livrá-lo do julgamento em tribunal, onde será confrontado com todos os crimes que, ao longo de trinta anos, cometeu contra a humanidade e o povo egípcio. Hoje, mais do que nunca, acredito que a força da vontade  dos homens livres e humilhados, de todos os que lutam e exigem justiça, pode manter Hosni Moubarak vivo, para que ele possa, finalmente, ser julgado e sentar-se na cadeira dos réus e ser confrontado com todos os seus crimes. Esta luta pela justiça, pelo direito à memória e à verdade já está a acontecer em alguns países do mundo e com sucesso. É preciso, porém, que se universalize, para que não haja mais crimes sem castigo, para que não vingue a impunidade e  a opressão consentida (?) tome o lugar da justiça. A História não pode confundir-se com o seu  branqueamento, transformando até o agressor em benfeitor, o governante iníquo em herói. Infelizmente o poder tem sempre os seus cronistas(?) de serviço.

Foi por não se ter feito justiça atempada e por se orquestrar o branqueamento do fascismo e de todas as tenebrosas figuras que o serviram, e ainda servem, que familiares do famigerado director -geral da PIDE, major Silva Pais, se atreveram a pedir indemnização em tribunal pelos  danos morais causados ao "bom nome" do seu tio, a serem pagos pelos, à data,  directores do teatro D. Maria II e pela autora da peça de teatro "A filha rebelde".

Esperamos que não aconteça com  Hosni Moubarak o mesmo que aconteceu com o major Silva Pais e o general Pinochet que, por não terem sido julgados e condenados atempadamente, os seus crimes parecem, hoje, nestes tempos de confusão de valores e de interesses obscuros, em que vivemos, tornarem-se coroa de glória. 

Queremos justiça. Não vingança.