Carta Vária, porquê?



sexta-feira, 27 de abril de 2012




À memória do Miguel, um homem bom

O Miguel era um homem bom, integralmente bom porque estava sempre disponível para o Bem. Ou como diria Brecht , um imprescindível porque lutou todos os dias da sua vida.

Francisco, quero que sejas portador dos sentimentos que se abateram sobre mim pela perda do Miguel. É bem verdade que todos estávamos à espera que a sua partida se desse mais dia menos dia .Mas  a verdade é que nos costuma enganar.

A morte do Miguel pesar-me-ia sempre , mas pesa-me mais , porque o nosso encontro não foi uma abertura de alma imediata. Tanto eu como ele trazíamos alguns preconceitos mútuos. Era natural que isso acontecesse, até porque tínhamos percursos políticos  e pessoais diferentes. Mas eu, e falo só por mim, resolvi proceder como um provador que quer ter uma opinião sobre um vinho tido como famoso.

Segui então as normas que o meu avô paterno, homem de muitos saberes de experiência feitos, me ensinara. Balancei o copo bem devagar, aspirei depois o seu perfume , deixei-o repousar e então pus na boca um pouco desse vinho. Mastiguei-o , insalivei-o bem e depois bebi-o.

Foi assim com o Miguel. Fomo-nos conhecendo, fui gostando dele e tornámo-nos companheiros  de viagem.

Companheiro de viagem. Às vezes nos encontrávamos. Cá dentro e lá fora  Sempre com a mesma obstinação e determinação em  mudar o mundo.

Tê-lo conhecido, tê-lo tido como companheiro, foi um extraordinário privilégio.

Agora outros tomarão o seu lugar porque o Miguel, que era um semeador, se  transformou em semente. Miguel Semente.

Francisco, diz isso a todos os companheiros: o Miguel agora é semente.