O direito a um lugar para viver
O Senhor Presidente da República
e o seu Ministro de Negócios Estrangeiros ficaram extremamente indignados com o
desembarque em Portugal de 74 refugiados sírios, vindos da Guiné-Bissau. Também
a TAP afinou pelo mesmo diapasão. Entre as muitas exigências colocadas pelo Senhor
Presidente da República à Guiné-Bissau está a de que o seu Governo deve
esclarecer em minúcia tudo o que aconteceu no aeroporto de Bissau. Não deixa de
ser caricato que o Governo português exija de um Governo, que não reconhece, explicações
cabais sobre um determinado assunto. A TAP, por sua vez, tomou a decisão que
lhe parecia mais correta. Suspendeu os voos entre Guiné e Portugal, trissemanal,
até que existam condições objetivas para o funcionamento da empresa. Convém
porém dizer que a TAP não tem poderes de polícia para aceitar ou recusar
passageiros porque estes já foram liberados pelas autoridades policiais aduaneiras.
Essa atitude, quanto a mim, enquadra-se numa prespetiva xenófoba e racista, prespetiva
essa que não levou em consideração o facto de os passageiros virem de um país
em guerra civil. E já agora, sempre quero dizer que , no deve e haver entre
Portugal e a Guiné-Bissau, o saldo é francamente desfavorável à Guiné. Durante
séculos os portugueses caçaram, exportaram e venderam milhares e milhares de
escravos arrancados à Guiné. Quando os portugueses finalmente resolveram
estabelecer-se definitivamente na região, depois do tratado de Berlim,
fizeram-no a ferro e fogo. Para a Guiné emigraram milhares de portugueses e aí construíram
as sua vidas e as suas fortunas. Finalmente, quando os povos da Guiné decidiram
tornar-se independentes e construir um país, Portugal moveu-lhe uma guerra
durante 12 anos que só terminou no 25 de
Abril. Devem também os portugueses lembrar-se de que há milhões de concidadãos
seus emigrados no mundo, de que houve milhares e milhares de portugueses sem
papéis que saíram a salto em busca da liberdade e de melhores condições de vida.
Hoje mesmo milhares de portugueses, jovens na sua maioria, abandonam este país
em busca de uma vida melhor em muitos lugares do mundo.
Eu mesmo fui emigrante, emigrante
clandestino, passei fronteiras com papéis verdadeiros e falsos, vivi anos na clandestinidade,
fui exilado político e após dez anos de prisão achei-me na condição de
apátrida. Só em 1984 eu recuperei a minha cidadania. Vivo agora em Portugal,
onde trabalhei, pago impostos, voto e continuo a lutar por um mundo onde
ninguém tenha de ser clandestino.
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