Carta Vária, porquê?



quinta-feira, 6 de dezembro de 2012



                   A Utopia tem nome-Niemeyer

Desde ontem pela tarde que a Comunicação Social vêm confirmando aquilo que já se esperava, a morte de Niemeyer. Amigos, conhecidos, biógrafos, admiradores todos têm falado dele ou melhor dizendo, da sua obra como arquiteto. Mas pouco se ouve sobre a sua personalidade ou sobre a sua vida, sobre o cidadão empenhado, sobre o militante comunista. Parece querer esquecer-se que toda a obra de Niemeyer tem a marca indelével da sua ideologia. Não fui seu amigo , não privei da sua intimidade, mas conhecia-o o suficiente para ter por ele uma admiração que me acompanha há mais de 50 anos. Onde o conheci? Não me recordo, mas pode muito bem ter sido no seu atelier de Brasília, quando aquilo era apenas um inóspito "cerrado" onde uns quantos sonhadores já vislumbravam uma cidade capital de um novo país que estava a nascer, centro do mundo, talvez. Pode também ter sido no Rio de Janeiro, na sua casa, levado pela Olga Vierjawski, uma arquiteta sua e minha amiga. Onde foi? Não importa. Importante foi tê-lo conhecido. Ele faz parte da pequena galeria de homens grandes que conheci e com quem privei ao longo da minha vida.
Agora que ele partiu, há-de falar-se e repetir-se até á exaustão, tudo o que já antes se disse sobre a sua obra: pode até acontecer que se descubram nela coisas e intenções que o próprio nem viu nem teve. Eu, porém , que não entendo mais de arquitetura do que qualquer simples mortal, quero é falar da sua solidariedade sempre abrangente, material quando alguém precisava de ajuda, também política durante todo o tempo que vigorou a ditadura militar. Essa mesma ditadura militar que durante vinte anos substituiu a lei pelo arbítrio, cassou direitos políticos, sequestrou, prendeu, torturou, assassinou e fez desaparecer milhares dos seus opositores, foi impotente diante de NIemeyer, ainda que o tenha arrolado no Processo do Partido Comunista Brasileiro e tenha jogado no lixo alguns dos seus projetos para Brasília. Mas nunca foi capaz de impedir a sua solidariedade ativa aos que lutaram contra a ditadura, mesmo nas prisões, onde visitava presos políticos,  jamais se atreveram a cassar-lhe os direitos políticos, o direito de ir e vir , de entrar e sair do Brasil.
Comunista desde muito jovem, militante ativo no partido Comunista  (condição que nunca escondeu) quando um grupúscolo de "bastardos" decidiu extingui-lo, tendo até o seu secretário-geral, Roberto Freire, se apropriado do símbolo do partido, Niemeyer e outros companheiros seus refundaram-no e, em Tribunal, recuperaram o símbolo partidário- a foice e o martelo.
Num tempo em que o enriquecimento fácil e até criminoso, num tempo em que a honestidade pessoal passou a ser o opróbrio, num tempo em que os tostões viraram milhões, em todo esse tempo, Niemeyer recebia  como primeiro e principal operário da construção e manutenção de Brasília, o salário mínimo nacional.
Evidentemente que será impossível, mesmo que Brasília deixasse de existir, esquecer Lúcio Costa, Burle Marx e Óscar Niemeyer. Todos têm lá a sua marca pessoal. Muitas marcas. Mas há duas, ambas de Niemeyer, que sobressaem sobre todas as outras: a figura dos "candangos" na Praça dos Três Poderes, como que a afirmarem que sem povo não há poder e a sombra da foice  e do martelo, que todos os dias, ao sol posto, a estátua de Juscelino(JK) do alto do seu memorial, projeta no chão de Brasília. A arquitetura e o urbanismo de Brasília são pormenores. O importante é a marca ideológica de quem a projetou.
Obrigado , mestre, por Brasília e tudo o mais.
Lisboa, que há cinquenta anos, tem sido submetida a uma fúria urbanicida imparável, deve ser a única cidade do mundo onde um projeto de Niemeyer começado a nascer morreu. Ainda quando o ex-presidente Jorge Sampaio era presidente da Câmaras de Lisboa, Niemeyer projetou, gratuitamente, a sede de então criada Associação Luso-brasileira. Estava-se no inicio da grande emigração brasileira para Portugal. Arrecadou-se algum dinheiro, juntaram-se esforços e a obra começou a nascer onde existira o Palácio dos Alfinetes, na zona oriental de Lisboa. Mas um dia tudo parou por falta de recursos e o projeto acabou nos arquivos insondáveis da Câmara de Lisboa. Até hoje. Muitos esforços foram feitos para levar esse projeto até á sua conclusão, mas todos se mostraram inúteis. E não creio que a situação mude, seja qual for a Câmara de Lisboa. A esta cidade não fazem falta projetos de Niemeyer. Ainda se fosse mais um silo para automóveis ou um túnel ou uma rotunda. Afinal o Marquês de Pombal e o Eng.Duarte Pacheco já não andam por cá. Agora a Lisboa bastam os empreiteiros e os "patos bravos". Lisboa pode passar muito bem sem Niemeyer.

1 comentário:

  1. INTERESSANTE, ATÉ POR NECESSÁRIA, UMA VISÃO SOBRE O HOMEM EM SI, DE ONDE NATURALMENTE ADVÉM A OBRA.

    ACHO QUE É ASSIM QUE A MEMÓRIA DEVE PREVALECER, QUANDO NÃO, ESTARÃO MUITOS ( como facilmente se pode verificar desde SEMPRE ) A TECER LOAS, CONDECORAÇÕES E MEDALHAS, A ALGUÉM QUE DEPOIS DE TER UMA VIDA A ENCHER O CU Á CONTA DE USUFRUIR DE BENESSES, GANHAS Á CUSTA DE EXPLORAÇÃO VIOLENTA SOBRE OS " FRACOS " ..... BASTANDO PARA DAR A VOLTA AO TEXTO, OFERECER UMA AMBULÂNCIA, OU DAR ORIGEM A UMA FUNDAÇÃO ..... O SEU A SEU DONO . . . A UM HOMEM INTEIRO, QUE TAMBÉM NUNCA TRAIU OS SEUS.... OBRIGADO PELO EXPOSTO TÃO CLARAMENTE.

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