Os sobrinhos do director da PIDE, major Silva Pais, entraram na justiça com uma acção contra os Directores do TNDMII e a autora da adaptação para teatro da biografia da filha do major que se tornou militante da Revolução Cubana. São acusados de difamarem e atentarem contra o "bom" nome do acima citado Director-geral da PIDE.
Isto que, para alguns pode parecer apenas ridículo, não o é. É trágico, sobretudo demonstrativo daquilo que o 25 de Abril devia ter feito e não fez. Os capitães de Abril eram jovens, generosos, idealistas. E foi isso que os fez grandes e os perdeu. Derrubaram o regime fascista, libertaram Portugal de uma ditadura cruel mas deixaram impunes todos aqueles que, ao longo dos anos, cometeram ou foram coniventes com crimes hediondos e contra a humanidade. Não houve punição, não se fez justiça. Assim, em pouco tempo, os cravos, que eram todos vermelhos, foram dando lugar aos brancos e depois até desapareceram. E é assim, que de branqueamento em branqueamento se chegou ao apagamento da memória e Salazar escolhido como o vulto mais importante da História de Portugal.
Para que a memória desses tempos de chumbo não se apague e assim se impeça o seu regresso, povos de muitos países do mundo criaram Comissões de Direito à Memória e à Verdade que se empenham na reposição da verdade histórica, obrigam a justiça a agir e os governos a indemnizar as vítimas. É assim na Argentina, no Chile, no Brasil, foi assim na África do Sul e está agora a acontecer no Cambodja, onde os quatro últimos dirigentes do Kmer Vermelho (o mais novo tem 67 anos) estão sendo julgados pelos crimes cometidos durante a ditadura de Pol Pot.
Em Portugal, ao contrário, a palavra de ordem foi esquecer, esquecer, apagar a memória, mesmo física. Assim esquecemos (e até há quem os louve) trezentos anos de inquisição, mais quatro séculos de comércio negreiro, e os quarenta e oito anos de chumbo da ditadura fascista. Esquecemos, não nos queremos lembrar e o Estado ameaça com sanções (este processo judicial é um exemplo) a quem, de uma forma ou outra, se organiza para que a memória não seja apagada.
Foram as omissões de Abril e o nosso silêncio que encorajaram o Senhor Aníbal Cavaco Silva, que hoje está presidente da República, a conceder a dois PIDES uma pensão por serviços prestados ao país, tendo-a negado antes ao Capitão de Abril , Salgueiro Maia.
O que se espera, é que depois deste julgamento indigno e vergonhoso, verdadeiro atentado contra a liberdade de expressão e de informação, se organize uma Comissão de Direito à Memória e à Verdade que activa, diuturna e persistentemente comece a por a nú os crimes da ditadura Salazarista. Uma Comissão que não se deixe intimidar pelo poder, pelos tribunais, nem enredar em malhas partidárias. Uma Comissão onde o povo português, que foi a maior vítima do fascismo, se reconheça por inteiro. Além disso, o povo, a justiça, os políticos e os próprios agentes e mandantes dos crimes têm de introjectar que os crimes contra a humanidade nem prescrevem, nem têm perdão. Nós, todos os que estamos nesta luta, não queremos vingança. Exigimos justiça, verdade e direito à memória.