Quando em 1962 , sem permissão do meu Bispo, fui a Moscovo
assistir ao Conselho Mundial da Paz,
tive ocasião de lá encontrar pessoas que já faziam parte da História , como
Krutchev, a quem condecorei com uma enxadinha das Ligas Camponeses, tendo-o
encontrado mais tarde, já para uma longa conversa, no parque Lenine,
quando ele passeava com duas netas(ou
netos); Gagarin que a todo o custo me queria cumprimentar
dando-me um beijo na boca; e outras, como La Passionaria, Pablo Neruda e
diversos patriarcas ortodoxos e bispos católicos. Celebrei, também, a convite
do Arcebispo de Moscovo, missa católica, na Igreja de S .Luís dos Franceses, à
qual assistiu quase toda a delegação brasileira e muitos russos, para quem aquela
missa era uma novidade. Foi também o Arcebispo de Moscovo que me convidou,
depois da celebração da missa católica, para uma celebração ortodoxa na sua
Catedral, com o coro do Bolshoi.
Fiz também uma amizade muito especial com um Ministro da
então Checoslováquia, o Dr.Benês, pessoa com quem passei a me encontrar sempre que estive no seu país.
O Dr. Benês era uma pessoa singular, sempre bem-disposta, e
capaz de transformar as piores situações em coisas banais. Um dia, convidou-me
para ir almoçar num restaurante perto de Teresin, uma antiga fortaleza militar,
mandada construir por Maria Teresa de Áustria e transformada pelos alemães em
centro de triagem de prisioneiros, onde morreram cerca de 75.000 pessoas. Como
o restaurante onde devíamos almoçar não ficava longe, antes mesmo do almoço, o
Dr. Benês fez-me a proposta de visitar a Fortaleza. Aceitei. Logo à entrada,
alinhados contra parede havia uma série de beliches de madeira, onde em cada um
podiam dormir três ou quatro pessoas. A certa altura o Dr.Benês virou-se para
mim, apontou um desses beliches e disse , dando uma grande gargalhada: “este
aqui era onde eu dormia, ali, naquele era onde dormia o Ministro da saúde. Logo
a seguir dormia o Bispo de”(cidade cujo nome não recordo) e assim por diante. Levou-me
depois ao local da Secretaria, à sala dos interrogatórios, e, finalmente, ao
saguão onde existiam ainda quatro fornos crematórios. À medida que me ia
mostrando toda esta tragédia, o Dr. Benês estava bem-disposto, assobiava,
cantarolava, enquanto eu estava cada mais deprimido. Foi assim que eu lhe
disse: “Benês, como é que você tendo estado aqui e sofrendo o diabo à mão
desses bandidos nazistas, respira tanta alegria, e eu que nunca passei por aqui
sinto-me agoniado, tal qual um cão escorraçado?”.Ele parou de assobiar e
cantarolar, olhou-me fixamente, de frente, e disse-me muito sério: “Olhe,
quando estou triste ou aborrecido, venho aqui e a tristeza e o aborrecimento
logo me passam. Mas quando não posso livrar-me desse mal-estar angustiante, vou
até Dachau para onde fui para ser executado e só não o fui porque os americanos
chegaram. Então sinto-me novo como quando era jovem. Eu devia estar morto, mas
estou vivo. Entende agora porque é que eu canto e assobio? É preciso estar
diante da morte para se saber o valor da vida”.