Uma fábula muito antiga conta que os ratos, cansados ou desesperados por serem caçados por um gato, resolveram pôr-lhe um guiso no pescoço, para que ele não mais os pudesse surpreender. Todos estavam de acordo com a decisão. Foi então que um rato mais experiente perguntou: - mas , quem põe o guiso no pescoço do gato?
É à espera desta resposta que se encontram o imperialismo norte-americano, a NATO, a Liga Árabe, a Al-Qaeda, e todos os "ditos amantes da liberdade e defensores da democracia". A cada dia que passa, acham mais urgente pôr o guiso no pescoço do gato. Mas quem se atreve a pô-lo?
Para que não restem dúvidas sobre a minha posição pessoal e política a respeito do que deve ou não deve, pode ou não pode fazer-se em relação ao conflito sírio, quero deixar bem claro que não estou de acordo com o regime sírio, com a ditadura pessoal dos Assad (pai e filho) e também com o partido Baas (partido pan-árabe socialista).Igualmente me distancio da autodenominada resistência síria, quer pelos verdadeiros objetivos que a movem, quer ainda pelos apoiantes que a sustentam, países e organizações belicistas.
A Rússia e a China, ainda que por razões diferentes, obstaram a que os planos da NATO, dos EUA e de Israel se concretizassem. A Síria, como um gato de guizo no pescoço transformar-se-ia num animal doméstico. A Rússia, se outras perdas não tivesse, perderia a sua base naval no mediterrâneo oriental, de onde vigia as atividades da NATO na região, perderia também um comprador de armas e veria ameaçado o seu projeto de voltar a ser uma grande potência militar a nível mundial e veria diminuir ainda o poder que tem nas Nações Unidas. Já a China, que não tem interesses militares e económicos na região, arriscava-se a perder prestigio nas repúblicas muçulmanas da Ásia Central, prestigio e poder negocial, abriria mão, sem quaisquer vantagens, da oportunidade de exercer a sua diplomacia, numa área do mundo, hoje fulcral para a paz mundial.
A grande questão, aquela que terá de ser respondida é o que acontecerá na Síria, quando os problemas atuais, estiverem ou parecerem estar resolvidos. É que a Síria não é um país qualquer. Não! Esse espaço político e físico que hoje se denomina Síria e Líbano, ao longo de centenas e centenas, milhares e milhares de anos de história foi o berço de civilizações, o nascedouro de múltiplas culturas, o campo de batalha onde se enfrentaram e fundiram e multiplicaram religiões que, depois de enraizadas, deram origem ao colorido e contrastante tecido cultural e religioso atual.
Por isso, quem se propuser "implantar a democracia" na Síria, tem de estar preparado para a eventualidade, mais que provável, de transformar esse projeto numa guerra sectária com efeitos devastadores em toda a região. Sendo assim, só a negociação paciente, justa e laboriosa, balsâmica, pode trazer a paz à região, sarando feridas profundas, apagando ódios e injustiças antigas e atuais. E, em jeito de reflexão desta "crónica" , quero recordar um preceito antigo, mas sempre atual: a paz é fruto da justiça.