À memória do Miguel, um homem bom
O Miguel era um homem bom, integralmente bom porque estava
sempre disponível para o Bem. Ou como diria Brecht , um imprescindível porque
lutou todos os dias da sua vida.
Francisco, quero que sejas portador dos sentimentos que se
abateram sobre mim pela perda do Miguel. É bem verdade que todos estávamos à
espera que a sua partida se desse mais dia menos dia .Mas a verdade é que nos costuma enganar.
A morte do Miguel pesar-me-ia sempre , mas pesa-me mais ,
porque o nosso encontro não foi uma abertura de alma imediata. Tanto eu como
ele trazíamos alguns preconceitos mútuos. Era natural que isso acontecesse, até
porque tínhamos percursos políticos e
pessoais diferentes. Mas eu, e falo só por mim, resolvi proceder como um provador que quer ter uma opinião sobre um
vinho tido como famoso.
Segui então as normas que o meu avô paterno, homem de muitos
saberes de experiência feitos, me ensinara. Balancei o copo bem devagar,
aspirei depois o seu perfume , deixei-o repousar e então pus na boca um pouco
desse vinho. Mastiguei-o , insalivei-o bem e depois bebi-o.
Foi assim com o Miguel. Fomo-nos conhecendo, fui gostando
dele e tornámo-nos companheiros de viagem.
Companheiro de viagem. Às vezes nos encontrávamos. Cá dentro
e lá fora Sempre com a mesma obstinação
e determinação em mudar o mundo.
Tê-lo conhecido, tê-lo tido como companheiro, foi um
extraordinário privilégio.
Agora outros tomarão o seu lugar porque o Miguel, que era um
semeador, se transformou em semente.
Miguel Semente.
Francisco, diz isso a todos os companheiros: o Miguel agora
é semente.