Vi e ouvi na TV a entrevista do juiz Baltazar Garzón e percebi que ele entrou num labirinto do qual não sabe ou não pode sair. Para isso, para encontrar a saída do labirinto, ele, juiz Baltazar Garzón teria de desacreditar em tudo o que acreditou durante toda a vida: que a justiça existe e é possível aplicá-la.
Faltou ao juiz Garzón entender e aceitar que a justiça não é um conceito abstracto, sem qualquer relação com o tempo e o espaço, mas sim um instrumento do Poder, seja ele qual for. Isto é assim, desde que o homem se organizou em sociedade.
Substancialmente não existe qualquer diferença entre a justiça das sociedades primitivas e a das sociedades civilizadas. Mudaram-se os instrumentos e as formas de aplicação, mas os interesses não. Esses são sempre os do Poder. Não do Poder aparente, mas do Poder real. Basta folhear a História para constatá-lo.
A humanidade desde os seus primórdios, sempre necessitou de conceitos abstractos e mitos para se organizar e criar novas formas de estar em sociedade. A escrita vai dando conta de todas as invenções humanas, desde a existência de deus até às organizações sociais, materiais, culturais, científicas e criminais, todas ao serviço de uma determinada classe social, detentora do Poder.
A vida do juiz Baltazar Garzón é pródiga em serviços prestados à justiça. Conhece-se a sua luta contra a máfia galega da droga, o empenho na condenação dos torturadores argentinos e chilenos, a guerra sem quartel contra o "terrorismo" da ETA.
Embalado pelo seu próprio sucesso e pelo prestígio que destas lutas lhe adveio ousou subir um pouco mais e colocar-se num patamar mais alto. Propôs-se investigar os crimes do franquismo. Parecia lógico. Mas não era. Outros, que o deviam fazer, até por razões pessoais, não o fizeram porque compreenderam que o poder em Espanha continua franquista-falangista. Não o ter entendido e aceite , foi o "erro" de Garzón. Agora, por ter confrontado e desafiado esse Poder, é ele quem vai sentar-se no banco dos réus, para ser julgado. Julgado por uma justiça em que acreditou.
O ateniense Sócrates, que a si mesmo se considerou cidadão do mundo, não foi o único a tomar cicuta. Nem o único, nem o último. Muitos outros ainda terão de a tomar, para sobreviver.