Carta Vária, porquê?



sábado, 14 de julho de 2012


O estado da Nação
No dia em que na Assembleia da República se discutiu o estado da Nação, estive especialmente atento à televisão. Sentei-me do ecrã e, pacientemente, assisti a um filme a que já antes tinha assistido nem sei quantas vezes. Nesta e noutras legislaturas. O mesmo cenário, quase todos os mesmos atores , o mesmo estilo de dissuasão, os mesmos problemas, o mesmo vazio de soluções. E nesta, como noutras vezes, a minha imaginação arrancou-me daquele cenário e conduziu-me a um outro, bem distante no tempo, mas, simbolicamente idêntico.
Em tempos, existia na televisão brasileira, um programa de humor pensado, escrito e interpretado por Xico Anísio e outros atores, que entre outros quadros, apresentavam um que se passava no café de uma cidadezinha, no interior do Nordeste. Ali, naquele único café da cidade, se juntavam, semanalmente, para discutir e avaliar os problemas da cidade, do Brasil e do mundo, as pessoas mais gradas e entendidas do lugar: o Juiz de Direito, o Delegado de Polícia, o Coletor de Impostos, o Diretor do Jornal local e também um sujeito, que não sendo ele mesmo importante, sempre acompanhava aqueles  que pareciam sê-lo. A sua função era fechar a discussão, mesmo sem nunca ter entrado nela. E enquanto durou o programa, anos e anos, ele o encerrou do mesmo modo: "pois é,  meus amigos, a ignorança é que astravanca o progressio".Ora aí está uma boa forma de a senhora presidente da Assembleia da República, que é mesmo licenciada em Direito, já foi juíz do TC e deputada, em não sei em quantas legislaturas, uma boa forma, repito, de encerrar as sessões na Assembleia da República. Se não é a "ignorança que estravanca o progressio", o que é então?
A corrupção político-ideológica dos partidos políticos, especialmente os do "arco do poder"? A submissão canina, abjeta ou interessada da política e dos políticos a interesses contraditórios com os do povo? O poder e a ganância desenfreada e criminosa dos bancos e banqueiros? A TROIKA? O capital financeiro? Os traficantes de influências, de droga, de armas e de novas escravaturas? Os interesses inconfessáveis das parcerias público-privadas? A inoperância da justiça que é madrasta para os pobres, mãe protetora dos ricos? A comunicação social, pública e privada, onde proliferam os "lulus" e os "papagaios de pirata"? O sistema político representativo, capitalista e burguês que se representa si mesmo? O povo rebanho que apesar do seu mau viver, está sempre à espera de novos enganos, novas promessas, novos messias?
Poderia continuar indefinidamente a fazer perguntas. Nenhuma seria respondida. E se o fosse, a resposta teria tantas condicionantes que a tornariam inviável. Apesar disso, todas as perguntas que acima se fizeram devem ser respondidas com verdade e sem subterfúgios, sem desculpas esfarrapadas.
Necessário ainda e antes de tudo mais, é dar um basta definitivo à imoralidade e ao mar de lama em que o país submergiu.
O povo português, e digo povo em sentido marxista, aquelas classes ou sectores de classe que têm um projeto de construção de um país, um novo país, no espaço físico e geopolítico e cultural que é o nosso, sem dependências nem dominações, livremente, que o comecem a fazer já hoje, sem medo, recusando toda a opressão que de forma perversa e insidiosa sobre nós se abateu. Um país democrático, participativo, solidário onde se cumpra a canção da Utopia do Zeca, onde, "a folha da palma afaga a cantaria".

sexta-feira, 6 de julho de 2012


Comer com deus manda ou como o diabo gosta

Estranham o título de mais esta conversa? Pois não é de estranhar uma vez que a comida, o bem comer é parte integrante e importante da nossa cultura mediterrânica. Afoitar-me-ei a dizer até, generalizando, que a história do Homem está intimamente ligada à sua alimentação. E aqui, nisto de comer e no modo e importância de o fazer é que entra deus e o diabo.
Comer com deus manda significa escolher e cuidar  bem dos alimentos. Cozinhar e comer são dois rituais, que se fundem num só, que é o de conservar a vida em harmonia com a natureza, que é o Princípio e o Fim de tudo. Ao contrário, alimentar-se como o diabo gosta é regredir à irracionalidade, é deitar no lixo uma parte significativa da cultura universal, é submeter-se ao jugo dos inimigos da diversidade alimentar, é entrar para o rebanho dos comedores de ração. Os lugares de culto de todos estes pobres-diabos são aqueles onde tudo o que se consome é transgénico, por isso anti-natural e nocivo, mas que carreia lucros fabulosos para as empresas transnacionais que movem uma guerra cruel à Natureza e à Vida. Nós, porém, aqueles que respeitamos a Natureza e amamos a Vida, continuamos a comer como  deus manda.
Se não, vejamos. Não é um louvor a deus, a qualquer deus, seja ele Jeová, Alah, Inti, o deus de Jesus e de S. Francisco de Assis, à Natureza de Espinoza, à vida,  sentar-se no chão, ou numa almofada, ou à mesa e "imolar" um bom estufado de borrego  ou de lama andina, acompanhados com arroz branco ou cuscuz de trigo, milho ou mandioca, ou de fatias finas de pão alentejano, com chá de menta, de jasmim ou de outra erva, ou regado com um bom vinho? Isto só é possível para aqueles que mesmo sem o saberem, transformam o acto de alimentar-se num acto de louvor . Nunca estará  ao alcance daqueles a quem os gregos e romanos denominaram de bárbaros e que agora nos querem impor modos de vida transgénica.
Vão-se embora, regressem ao vosso mundo, levem também os vossos feitores e aprendizes e deixem-nos com os nossos deuses, que gostam da vida,  do sol, do vinho e do amor. Os vossos relógios não servem para marcar o tempo das nossas vidas. O nosso relógio é o do sol, que aparece e desaparece para que haja dia e noite, madrugada e entardecer. Vão-se embora e deixem-nos com a nossa Natureza, que é benigna e pródiga em frutos e prazeres, sempre atenta, sempre bela e que nada nos pede além do respeito pela sua ordem. Vão-se embora , levem convosco toda a vossa vã ciência e inúteis conhecimentos, que nós queremos ficar com os nossos deuses e partilhar com eles um guisado de borrego com molho grosso, feito com cebola, pimento, alho e hortelã. Vão-se embora já!

segunda-feira, 2 de julho de 2012


Congresso Democrático das Alternativas

Há dias vi na televisão ou ouvi na rádio que diversas  pessoas (algumas bem conhecidas pelas suas intervenções políticas) estavam a  organizar um congresso para debater os problemas inerentes e decorrentes da dívida externa portuguesa. Bem, até aí nada demais, pois Portugal em toda a sua existência como país, só por períodos muito curtos e excecionais, não andou enredado em dívidas. O próprio fundador da nacionalidade, D. Afonso Henriques, comprometeu-se a pagar  ao Papa duas onças de ouro anuais, pelos seus bons ofícios junto de outros príncipes da cristandade para que  reconhecessem  Portugal como um reino independente e a ele próprio como rei. Reza a história que D. Afonso Henriques nunca resgatou a sua dívida.  Pois bem, quase mil anos depois, Portugal volta à  condição de devedor. Há todavia uma diferença abissal entre a situação de 1152 e a de 2012.Nesse então longínquo 1152 o fundador da nacionalidade reconheceu a divida , mas nunca teve a intenção de pagá-la. O novo reino tinha outras prioridades. Os "reizotes" que agora nos governam, porque são bastardos sem qualquer linhagem, querem obrigar os cidadãos deste mesmo país a pagar uma dívida que não contraíram, a assumir responsabilidades pelos atos dolosos cometidos, perpetrados por essa mesma bastardia , mais ainda, escancararam as portas do país, empurrando para fora dele  a inteligência, a juventude, a força do trabalho e a cultura.
Devia, porém, ficar claro desde já, que a atual situação política , social , económica e cultural de Portugal não aconteceu por geração espontânea. O  mundo seja físico, social, económico ou cultural e político é o resultado de causas e efeitos, de contradições que conduzem a outras contradições, de sínteses e novas sínteses. O mundo é mudança. Depois do 25 de Abril há um momento em que o país parece querer avançar para um novo cenário. É o PREC (Processo Revolucionário em Curso).O governo de então liderado pelo general  Vasco Gonçalves, elogiado há dias pelo presidente da Autarquia de Castelo Branco(PSD), nacionalizou a banca, a grande indústria, as empresas de energia e combustíveis, a terra , o latifúndio. Com as nacionalizações chegaram as reformas sociais e o povo, até então humilhado por uma pressão multissecular saiu à rua e deu largas à sua criatividade. Mas a reação contra o PREC  não se fez esperar  e foi chegando de todos os lados, até de onde menos se esperava. Começou então a contagem regressiva para o 25 de Novembro, quando o país quase regressou ao 24 de Abril, já agora diga-se, sem contornos fascistas evidentes e sem colónias.
Após o 25 de Novembro restaurou-se o poder antigo e mantiveram-se até alguns que propositadamente  não foram tocados. Os banqueiros, os capitães da indústria, os latifundiários e outros mais que também faziam parte do aparelho político e económico do antigo regime foram regressando sistematicamente, com eficiência cirúrgica e eficácia. Todas "as portas que Abril abriu" foram sendo fechadas. Agora já restam poucas, mas o propósito de fechá-las é evidente.
Como surge esta divida abissal em que o país está afundado? Quem a contraiu? Para onde foi todo esse dinheiro de que se fala e para onde irá aquele que afirmam os cipaios de plantão , que ainda é preciso pedir?
É para responder a todas essas perguntas e a outras que esse Congresso deve reunir-se. Como este  é um tema extremamente importante e abrangente e pode ser visto de variados perspectivas, continuarei a escrever sobre ele. Já é tempo de que quem tem de dar respostas as dê.