Carta Vária, porquê?



segunda-feira, 7 de maio de 2012

Aniversariando

 
No dia 5 de maio p.p. pudemos celebrar a memória de três personagens muito queridos e importantes. Karl Marx, Zeca Afonso e Adriano Correia de Oliveira. Marx nasceu a 5 de Maio portanto era o dia dos seu aniversario natalício. O Zeca e Adriano foram declarados pelo Sindicato dos Professores da Grande lisboa como "os seus cantores".
No Facebook tive o cuidado de avisar todos os amigos e conhecidos de que Marx aniversariava no dia 5.A mensagem chegou e centenas de amigos tomaram um copo em honra do grande sábio. Sábio, repito. Porque na verdade Karl Marx foi o último sábio da História contemporânea. Admiram-se? Pois mencionem lá outro que o tenha sido. Marx foi o último homem que não só abarcou toda a ciência do seu tempo, analisou com mestria o passado e abriu as portas do futuro. Cientistas houve-os antes e depois dele e até contemporâneos-mais sábios não. Sábio, só ele. Espero por isso, que  todos os que o homenagearam o tenham feito com o melhor vinho possível, mesmo para além de qualquer crise.
O SPGL como se diria no Brasil, caprichou na homenagem ao Zeca e ao Adriano. O espectáculo foi nota 100 e a Aula Magna estava a rebentar pelas costuras.
Cantaram-se e ouviram-se cantar as músicas do Zeca e Adriano e, no final a Grândola irrompeu pela sala saída das  mais de mil vozes ali presentes, em ondas de 25 de Abril. No palco, entrando, saindo e voltando a entrar, estiveram a Brigada Victor Jara, o Vitorino, o Sérgio Godinho,  o Janita Salomé, o Manuel Freire, o Paulo Vaz de Carvalho, o Jorge Cruz, as Segue-me à Capela, o Grupo Raízes de Coimbra com Rui Pato à viola e muitos, muitos outros músicos, pois no Coro da Primavera  havia lugar para todos serem "seus cantores".
Abril não morreu senhores mangas de alpaca, ou senhores barões que pensam que dele se apoderaram para lhe fazer o enterro. Se na Aula Magna da Universidade Clássica de Lisboa pudessem ter entrado "os filhos da mãe" de que fala o Zeca, se lá pudessem ter entrado e estado veriam que os cravos  não murcharam e que as portas que Abril abriu não se fecharam. Desiludam-se "senhores filhos da mãe"!
Eu que "assisti" ao momento do nascimento e explosão do 25 de Abril nas masmorras da Fortaleza de Santa Cruz, com tanto mar pelo meio, continuo a acreditar  nas suas promessas e nem os muitos anos me conseguem arrancar essa esperança, essa certeza.
É que o 25 de Abril é um momento necessário na construção de um novo mundo solidário, um passo  mais na prossecução da Utopia. E um passo dado, ninguém o pode desdar.
Como é sabido os militares que fizeram o 25 de Abril de 1974 diante de tantos incumprimentos das promessas feitas, resolveram , e bem, não participar das comemorações oficiais que sempre se realizaram na Assembleia da República. A decisão dos capitães de Abril, exceptuando alguns lamentos hipócritas foi quase consensual. O país inteiro ficou à espera do que iria acontecer em S. Bento. Muita gente quereria "limpar a face", mas não encontraria a forma de fazê-lo. Pôr de novo , ou pela primeira vez cravos na lapela? cravos vermelhos em vez de cravos brancos? Discursos patrióticos  substituindo as elegias fúnebres? Comparecer ou não comparecer nas comemorações? Por onde andou o Partido Socialista?
Mas eis que alguém , num ato desassombrado  abriu as portas da Assembleia  da República, escancarando-as ao povo que as adentrou e ocupou o seu lugar  naquela que era a sua casa. E só depois é que a presidenta Assunção Esteves deu início à sessão. Obrigado Assunção Esteves, o seu gesto fez-nos regressar a Abril.

sexta-feira, 4 de maio de 2012


Memória de um 1º de maio tropical

Em 1945, o Brasil vivia os últimos dias do Estado Novo, imposto por Getúlio Vargas, após o golpe de 1937.Animados, porém, com a já certa vitória dos Aliados sobre a Alemanha nazi e as demais forças que a apoiavam, os políticos brasileiros, exilados, clandestinos, presos ou em liberdade vigiada, começaram a organizar-se, a dar corpo a novos partidos, difundido novas propostas políticas e novas ideologias. Cada qual escolheria o seu campo de ação, a terra da sua sementeira e posterior colheita.
O partido Comunista, então do Brasil, não foi excepção. Ele que fora quase riscado do mapa político-social após a intentona de 1935, lá foi ressurgindo das próprias cinzas e em 1945 era uma força ponderável na clandestinidade, com bases seguras e alargadas entre a classe operária, o campesinato e a classe média mais esclarecida. Baurú, uma cidade do centro do Estado de S. Paulo, não era, pois uma exceção. Centro ferroviário da maior importância, além de centralizar quase todo o tráfego do Estada, sediava ainda as oficinas gerais .Além disso, era um centro têxtil, comercial e agrícola em grande expansão. Não é de estranhar , portanto, que os comunistas se tivessem a lançado à sua conquista  para construir  aí uma das sua mais poderosas bases em todo o Estado.
Agora começa a nossa história. Pareceu bem ao Comité Regional do Partido Comunista  em Baurú, que, lá mesmo, apesar da vigência ainda do Estado Novo e da dura clandestinidade oficial, pareceu bem que em Baurú, baluarte comunista do centro do estado de S. Paulo, se comemorasse o 1º de maio, antecipando a comemoração da vitória na guerra que estava por um fio. Além disso,  a presença da URSS, presença e acção, contribuíra decisivamente  para a derrota do nazi-fascismo. Era bem verdade que o estado novo era um estado fascista, mas  também não era menos verdade que os "pracinhas" (força expedicionária brasileira) estavam a lutar ombro a ombro com os Aliados na Itália. Vistos, revistos e analisados todos os prós e contras da decisão, avançou-se decididamente para a comemoração pública, ostensiva e até desafiadora do 1º de maio. O ano de 1937 já ia longe e os tempos que agora se anunciavam eram francamente favoráveis à democracia.
A decisão foi comunicada a todas as bases do partido, que, decidiu transformar aquele 1º de maio de 1945 num ato de liberdade assumido e não outorgado. Tudo, mas tudo, desde um simples cartaz, às palavras de ordem, às faixas, ao itinerário, ao lugar de cada um  no desfile naquela marcha, tudo foi discutido ao pormenor. Aquele 1.º de maio em Baurú teria de ficar na história do movimento revolucionário brasileiro como um marco indelével.
Tudo rodava sobre carris, quando, alguns dias antes do 1.º de maio, um dirigente do C.R. sugeriu aos seus camaradas de Direcção que, achava ele, se deveria consultar o camarada Lenine sobre o assunto. A proposta pode parecer estranha vinda de um camarada dirigente marxista, como é de norma, ateu ou pelo menos agnóstico materialista  histórico e dialéctico, adepto só da ciência.
Não se esqueça , no entanto, que, no Brasil, os pecados originais são dois e não um. O de Adão e Eva , que já nos faz nascer pecadores, e o do  Sincretismo que pode fazer com que na mesma pessoa convivam em harmonia, um materialista e um macumbeiro, um católico e um frequentador de terreiro, um evangélico e um cultuador de orixás, um padre católico e um irmão maçom, uma Mãe de Santo e uma filha de Maria ou até tudo isto junto...
Pelo sim pelo não, os demais membros do Comité Regional lá se reuniram numa sala onde, como únicos móveis , havia uma mesa redonda de pé de galo e tantas cadeiras quantas os presumíveis participantes na sessão.
Cumpridos os rituais e depois que a mesa de pé de galo deixou de pular e o silêncio novamente se fez, um dos camaradas presentes, com voz de ventríloquo, em português do Brasil, com forte sotaque estrangeiro, transmitiu a ordem do camarada Lenine para que a manifestação se realizasse. Lenine estava de acordo: haveria 1º de maio em Baurú.
A polícia de Baurú, que não recebia ordens de Lenine mas sim do Governador de S. Paulo  estava perfeitamente informada de tudo  o que se preparava. Quando os manifestantes  saíram para a rua e  se começou a organizar  o grande desfile, a polícia não foi de modas. Entrou para quebrar e caiu  sobre os manifestantes sem dó nem piedade, batendo, prendendo, atropelando. Aliás a polícia de S. Paulo é portadora de uma tradição de violência que não tem paralelo sequer no Brasil. As organizações de Direitos Humanos atribuíram-lhe no ano passado  cerca de 3.000 assassinatos - tudo para manter a lei e a ordem .
Desse longínquo 1º de maio de 1945 em Baurú, Estado de S. Paulo, certamente só restam algumas memórias com estas, que recebi de um participante ativo desse acontecimento, o meu amigo , antigo camarada, Delamar Machado, ao tempo membro dirigente do Partido Comunista.  Já se tinham passado mais de quarenta anos sobre este acontecimento e Delamar Machado ainda estava zangado com Lenine e assim  morreu. Para ele, "Lenine era um sujeitinho liberal". Virara estalinista."Estaline poderia ter cometido alguns erros. Mas quem os não cometeria diante das dificuldades que teve de superar? Poderia ter cometido erros sim, mas de liberalismo, jamais alguém o  poderá acusar".
P.S. Machado, estou com saudades das nossas "brigas " político-ideológicas.

terça-feira, 1 de maio de 2012

Por me achar inteiramente de acordo com a declaração emitida pelo Sindicato de Jornalistas sobre o 1º de Maio, passo a transcrevê-la e a assiná-la.


"SJ saúda o 1.º de Maio, festa da resistência à ofensiva contra os direitos dos trabalhadores


1. Os jornalistas, como todos os trabalhadores, festejam amanhã o 1.º de Maio, data de importante significado para os trabalhadores de todo o Mundo, símbolo da luta universal pelo direito ao trabalho com dignidade e com direitos, pela justa distribuição da riqueza e contra as perseguições a todos quantos – trabalhadores, dirigentes, delegados e activistas sindicais – lutam nas empresas e nas suas organizações pelo efectivo respeito por esses direitos.
2. O 1.º de Maio comemora a luta dos trabalhadores de Chicago em 1886, que em dia de grave geral nos Estados Unidos pelas oito horas de trabalho diárias fizeram uma grande manifestação, violentamente reprimida. Hoje, quando está em vias de aprovação um brutal aumento da carga de trabalho e um grande retrocesso nas condições de trabalho, justifica-se ainda mais a comemoração do 1.º de Maio como dia de luta por condições de trabalho e de vida mais dignas, contra o retrocesso laboral.
3. Ao saudar o 1.º de Maio de 2012, o Sindicato dos Jornalistas tem bem presente que esta jornada ocorre num contexto de condições cada vez mais duras para os jornalistas, para outros trabalhadores do sector da comunicação social, e para os trabalhadores em geral, atingidos por violentas medidas de austeridade que estão a destruir a economia nacional, a agravar o desemprego, a aprofundar as desigualdades sociais, a empobrecer milhares e milhares de portugueses, a diminuir drasticamente a protecção social no desemprego, na doença e na velhice, a desmantelar os serviços públicos, a destruir a esperança de um país progressivo e solidário.
4. No sector da comunicação social, e em particular nas Redacções, os jornalistas sentem cada vez mais os efeitos de uma violenta ofensiva contra os seus direitos – e sobretudo o direito ao emprego – , à boleia de uma crise que também afecta as empresas jornalísticas mas que não pode ser desculpa para más práticas, nem pretexto para despedimentos. 
5. É aliás nas épocas de crise que os jornais, as rádios e as televisões têm oportunidade de mostrar o seu papel e a sua importância na vida dos cidadãos, das empresas e das instituições papel que não é possível concretizar com redacções cada vez mais pequenas e amputadas de quadros com memória, experiência e espírito crítico.
6. Com efeito, tem vindo a agravar-se de forma muito severa o desemprego de jornalistas, com o emagrecimento forçado das redacções à força de despedimentos colectivos ou de acordos de rescisão dos contratos, ditos de mútuo acordo mas tratando-se na verdade de acordos musculados e com base na chantagem da iminência de novas e mais gravosas alterações às leis laborais.
7. Festa de celebração de conquistas dos trabalhadores já seculares, mas também de resistência organizada aos retrocessos que nos têm vindo a impor, o 1.º de Maio é uma celebração solidária, na qual todos os trabalhadores são convocados a proclamar bem alto que a transformação social é possível e na qual também os jornalistas são chamados a participar.
8. Assim, a Direcção do Sindicato dos Jornalistas exorta todos os camaradas a juntarem se a essa festa de solidariedade, de combate e de resistência, apelando para que, animados desse espírito fraterno que deve unir todos os trabalhadores, participem nas celebrações do 1.º de Maio, juntando-se amanhã às iniciativas que o Movimento Sindical está a organizar em todo o país, em especial nas capitais de distrito.


Viva o 1.º de Maio! 


Lisboa, 30 de Abril de 2012


A Direcção"

Alípio de Freitas, jornalista profissional
CP 830