Carta Vária, porquê?



segunda-feira, 29 de agosto de 2011

O labirinto do Juiz Baltazar Garzón

Vi e ouvi na TV a entrevista do juiz Baltazar Garzón e percebi que ele entrou num labirinto do qual não sabe  ou não pode sair. Para isso, para encontrar a saída do labirinto, ele, juiz Baltazar Garzón teria de desacreditar em tudo o que acreditou durante toda a vida:  que a justiça existe e é possível aplicá-la.
Faltou ao juiz Garzón entender e aceitar que a justiça  não é um conceito abstracto, sem qualquer relação com o tempo e o espaço, mas sim um instrumento do Poder, seja ele qual for. Isto é assim, desde que o homem se organizou em sociedade.
Substancialmente não existe qualquer diferença entre a justiça das sociedades primitivas e a das sociedades civilizadas. Mudaram-se os instrumentos e as formas de aplicação, mas os interesses não. Esses são sempre os do Poder. Não do Poder aparente, mas do Poder real. Basta folhear a História para constatá-lo.
A humanidade desde os seus primórdios, sempre necessitou de conceitos abstractos e mitos para se organizar  e criar novas formas de estar em sociedade. A escrita vai dando conta de todas as invenções humanas, desde a existência de deus  até às organizações sociais, materiais, culturais, científicas e criminais, todas ao serviço de uma determinada classe social, detentora do Poder.
A vida do juiz Baltazar Garzón é pródiga em serviços prestados à justiça. Conhece-se a sua luta contra a máfia galega da droga, o empenho na condenação dos torturadores argentinos e chilenos, a guerra sem quartel contra o "terrorismo" da ETA.
Embalado pelo seu próprio sucesso e pelo prestígio  que destas lutas lhe adveio ousou subir um pouco mais  e colocar-se num patamar mais alto. Propôs-se investigar os crimes do franquismo. Parecia lógico. Mas não era. Outros,  que o deviam fazer, até por razões pessoais, não o fizeram porque compreenderam que o poder em Espanha continua franquista-falangista. Não o ter entendido e aceite , foi o "erro" de Garzón. Agora, por ter confrontado e desafiado esse Poder,  é ele quem vai sentar-se no banco dos réus, para ser julgado. Julgado por uma justiça em que acreditou.
O ateniense Sócrates, que a si mesmo se considerou cidadão do mundo, não foi o único a tomar cicuta. Nem o único, nem o último. Muitos outros ainda terão de a tomar, para sobreviver.

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

De calças na mão



O capitalismo financeiro (a face mais visível, hoje, do imperialismo) está de calças na mão e os seus líderes e serventuários não sabem se põem as mãos na cabeça ou se seguram as calças. É que os deserdados da terra perderam o medo e perder o medo é o primeiro passo no caminho da libertação. Todas as instituições e normas que o estado burguês criou e sacralizou para explorar os povos e manter a ordem não têm hoje qualquer valor. A justiça, a política, a policia, o exército mesmo usando a força já não intimidam os pobres.
O que está agora a acontecer na Inglaterra post-vitoriana, post-imperial, post-organizada, post-thatcheriana, post-estado social e agora rançosasamente conservadora é o sinal evidente de que tudo o que está para trás acabou e de que é necessário começar a construir um novo país onde todos os deserdados tenham lugar como cidadãos e não sejam tão somente considerados lixo.
É óbvio que quem está ou sempre esteve no poder não quer perder os anéis. Por isso, é inevitável que perca também os dedos. E não é justo que alguém, seja em nome de quem for, exija de um deserdado, que pode ser um menino, ou um velho operário na miséria, ou um emigrante descriminado, pela cor e pela cultura, ou um desempregado, ou uma mulher que se prostituiu para sobreviver, ou, ou, ou, - não se pode pedir a nenhum deserdado e humilhado que se porte como um "menino de coro". Não, todos eles darão apenas o troco.
Quando a televisão mostra as imagens do que está acontecer na Inglaterra, reportava-me a outros lugares do mundo onde aconteceu e está a acontecer o mesmo e ainda a outros onde é necessário, absolutamente necessário que também aí aconteça. Os sem esperança, os sem presente e os sem futuro são a imensa maioria do mundo. E porque há-de ser assim, porque tem de ser assim, se a terra tem recursos que sobejam para fazer todos felizes? Pode parecer inacreditável, mas toda esta violência nada mais  é  do que o gesto desesperado dos que querem ser felizes.
Como membro da comunidade humana, o que me  assusta não é a revolta incontida dos pobres. O que me assusta e oprime é o conformismo perante a desesperança.
E se as imagens que nos chegam de Inglaterra se repetirem e replicarem em todos os lugares onde a opressão do poder económico é lei suprema, então  quero ver o pavor na cara de todos os  David Cameron. De todos. Só assim, talvez, não tenhamos mais  de ser confrontados com as imagens das crianças Somalis a morrerem de fome e de sede nos desertos do Corno de África.